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Biólogo quer fazer cobaia com neurônio de criança autista

Quando o biólogo Alysson Muotri publicou um trabalho envolvendo injeção de células humanas em embriões de roedores, em 2005, seu laboratório recebeu diversos e-mails hostis. “Diziam que eu queria criar a ilha do dr. Moreau aqui”, conta. A ideia, porém, não era gerar bestas meio humanas e meio animais como as do livro de H.G. Wells. Muotri quis mostrar como usar a técnica para estudar doenças humanas em cobaias. E seu objetivo, afinal, será posto à prova agora –num trabalho sobre autismo.

O experimento que o grupo do biólogo na Universidade da Califórnia em San Diego está fazendo começa com a obtenção de células de crianças portadoras da doença. Elas são depois revertidas para o estágio similar ao de células-tronco de embriões e então transformadas em neurônios primitivos.

Essas células, então, podem ser usadas tanto para estudar aspectos celulares e moleculares do autismo quanto para a injeção em embriões de animais. Uma vez chegando a esse estágio, os cientistas serão capazes de criar quimeras: indivíduos em que uma parte das células tem DNA de uma espécie, e uma segunda parte, de outra. 

Usando esses animais quiméricos para compará-los com outros comuns, Muotri espera obter informações sobre como o autismo se manifesta fisiologicamente. É uma abordagem ousada para estudar uma doença ainda cercada de mistério.

“Ainda não se sabe bem como é a divisão entre a contribuição ambiental e a contribuição genética do autismo”, diz Muotri. Nesse contexto, o estudo com células de animais quiméricos tem uma vantagem. “A gente não precisa nem saber quais são os genes envolvidos.”

Uma desvantagem, em contrapartida, é a polêmica que a ideia de criar animais quiméricos costuma gerar. Por ter objetivos específicos e bem demonstrados, Muotri conseguiu passar pelo crivo de um comitê de ética para fazer seus experimentos, mas foi proibido de gerar as cobaias quiméricas indefinidamente. Seus animais não poderão se reproduzir.

Quem teme ver algo parecido com o homem-leopardo do Dr. Moreau, porém, não precisa se preocupar. As células humanas incorporadas ao cérebro do roedor devem ser de 0,1% a 1,0%, diz Muotri. Talvez isso nem seja suficiente para despertar sintomas da doença na cobaia. E acreditar que um rato pode se tornar “autista”, claro, é algo relativo, já que a doença é caracterizadas por inibir habilidades de cognição humanas.

Em modelos para estudo da epilepsia -outro experimento considerado por Muotri–, porém, isso poderia acontecer: um roedor ter surtos como os de humanos epilépticos. “Seria um resultado fenomenal, porque mostraria que a doença é “autônoma”, está codificada em cada neurônio”, diz Muotri, com a ressalva de que não espera ver isso logo de cara.

O temor público às quimeras, ao que parece, não foi tão intenso quanto a reação negativa à pesquisa de 2005 permitia prever. No caso da epilepsia, foi a própria comunidade de portadores da doença e familiares que pediu a Muotri que elaborasse uma proposta de estudo.

Vencidos preconceitos, porém, vem agora a parte mais difícil: fazer o experimento. As culturas de neurônios com DNA de autistas devem ficar prontas ainda neste ano, criando um material que já pode ser usado para pesquisar alguns aspectos da doença, diz Muotri. Mas a criação das quimeras ainda tem barreiras técnicas.

Os cientistas pretendem que as células humanas ocupem partes específicas do cérebro dos roedores, mas ainda não descobriram como fazer isso.

O grupo de pesquisa que vencer a corrida para resolver esse problema será o primeiro a obter cobaias com traços autistas, epilépticos ou o que mais os cientistas conseguirem criar.

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