O garoto cursava a 5ª série, na Escola Classe 409 Norte, da rede pública. Mas uma seqüência de fatos e mal-entendidos verificados ali levaram sua mãe, a artista plástica e desenhista de jóias Lurdinha Danezy, a retirá-lo da escola. Para preencher as horas ociosas do filho hiperativo, Lurdinha presenteou-o com tintas, telas e pincéis. Deu a ele instrumentos de sua ascendência. O pai de Lúcio é o artista plástico Lourenço de Bem. O avô é o também artista Glênio Bianchetti.
Assim, mesclando a atividade de pintor com aulas de violão, hip hop, capoeira, malabarismo e língua brasileira de sinais (libras), em pouco mais de três meses Lúcio concluiu quatro dezenas de telas de todos os tamanhos, todas de uma simetria lógica e coerência nas cores. Gosta de Jackson Pollock, expressionista e abstrato americano que marcou profundamente a arte moderna. Nas telas de Lúcio predomina mais a mistura de vermelho e preto, embora seja torcedor do alvinegro Botafogo, cuja estrela solitária também ganhou uma tela.
PRECONCEITO
Lurdinha acusa o sistema educacional de não ter preparo suficiente para cuidar de alunos excepcionais. Daí, a decisão de retirar o filho da aula. “Ele sofreu muito preconceito por parte dos professores. Uma tinha medo dele, embora tenha sempre se destacado pela afetividade e educação. Foi acusado até de furtar (teria pego um salgado na cantina) e de agredir”, disse ela.
Em abril, a mãe tirou-o da escola pelo período de um mês, enquanto negociava mudanças diretamente com a Secretaria da Educação. Feitos os entendimentos, Lúcio voltou. Um mês depois, foi deixado fora da sala de aula durante todo o período. Teve uma crise de stress e acabou por quebrar um vidro. Lurdinha tirou-o definitivamente da escola. Até assinou um documento dizendo que se responsabilizava inteiramente pelo ato.
Quando Lúcio fez 5 anos, a mãe escreveu com Elizabeth Tunes, pesquisadora em deficiência e professora da Universidade de Brasília (UnB), o livro Cadê a Síndrome de Down que Estava Aqui? O Gato Comeu…, lançado pela Editora Autores Associados, de Campinas. O livro está na terceira edição. Será também lançado em Portugal. Fala da experiência de ter um filho que, ao nascer, ganhou o diagnóstico da deficiência mental e todas as questões relacionadas a ela, a exemplo do atraso no desenvolvimento e dificuldades no aprendizado.
“Quis provar que a pessoa pode nascer com o diagnóstico da doença mental, mas, com as intervenções necessárias e corretas, pode chegar a um desenvolvimento próximo da normalidade”, disse ela. “Amamentei-o, fiz nele estimulações precoces, massagens, e lhe dei refeição vegetariana até os 5 anos”, afirmou. “Defendo que se o excepcional estiver no ambiente correto, vai se desenvolver.”
Por conta dos desentendimentos com a escola, Lurdinha registrou boletim de ocorrência na Delegacia do Menor e do Adolescente, entrou com uma representação no Ministério Público, levou o problema à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e abriu um processo administrativo contra a escola na Secretaria da Educação. De tão revoltada com o processo educacional, Lurdinha hoje costuma citar Bernard Shaw quando se refere à escola: “Desde pequeno tive de interromper minha educação para ir à escola.”
?ELE VOLTARÁ?
O secretário da Educação de Brasília, João Luiz Valente, tem conhecimento do que ocorreu com Lúcio. “A dona Lurdinha tem meu telefone celular, meu e-mail e as portas da secretaria abertas”, disse ele. “Conheço o Lúcio muito bem. Já estive várias vezes com ele. É uma graça de menino. Infelizmente, ocorreram problemas. Nós estamos procurando a melhor escola para ele, porque em Brasília todas as escolas são inclusivas.”
Valente garantiu que Lúcio voltará à sala de aula, em outro contexto. “O garoto não pode ficar fora da escola de jeito nenhum. Ele tem de voltar. E a mãe tem de continuar a ajudar no processo educacional dele.”
O secretário disse que no ano que vem Lúcio tem vaga garantida na Escola Polivalente, considerada por ele como modelo no trato com os excepcionais. “Agora que a mãe achou uma vocação para ele, é obrigação nosso ajudá-la nessa luta”, disse Valente.