Cadeirante, João Paulo Buosi fez prova em 2009 e batalha na Justiça para ser nomeado
Quem costuma prestar concursos públicos sabe o que é a maratona desde a inscrição até a divulgação da lista com os aprovados. Paraplégico, o veterinário João Paulo Buosi, de 29 anos, conhecia bem essa rotina em 2009, quando resolveu fazer a prova para trabalhar no do CRMV-SP (Conselho Regional de Medicina Veterinária).
Ele, que vinha de um emprego no Paraná obtido por meio de concurso, preparou-se e prestou o exame para o CRMV-SP em junho do mesmo ano. Passou em primeiro lugar na lista de pessoas com deficiência. Entretanto, o que deveria ser motivo de orgulho virou um pesadelo que ele vive até hoje, passados dois anos.
Buosi nunca foi convocado para a vaga – ele foi barrado no concurso por ser deficiente. O veterinário ainda espera uma solução para seu caso, que se transformou em uma verdadeira batalha com perícias médicas e perguntas sem resposta.
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– Não me convocaram, alegando que a minha deficiência é incompatível com o cargo, mesmo sem fazerem nenhuma perícia e só com a documentação que eu havia enviado no ato da inscrição, quando me consideraram apto a prestar a prova.
Ao se inscrever para o exame, Buosi entregou, na hora da inscrição, uma série de documentos e exames médicos que informavam sobre a sua deficiência. O procedimento é normal, afirma Thiago Lacerda Nobre, procurador do MPF (Ministério Público Federal) em Jales, no interior de São Paulo.
Os documentos para a inscrição foram aceitos pelo Conselho Regional. Essa mesma documentação sobre a deficiência, depois, foi usada para excluí-lo do concurso, após a divulgação do resultado.
– A alegação de que ele [Buosi] é deficiente não “cola”, porque [o Conselho Regional de Medicina Veterinária] já sabia que ele era cadeirante, a inscrição foi toda feita com essa documentação.
Como o veterinário não foi convocado para o trabalho, o segundo colocado da lista de deficientes foi chamado – ele também acabou excluído do concurso.
Já tinha experiência na função
Buosi já havia exercido função parecida com a oferecida pelo CRMV – na época, ele trabalhava no Paraná, onde foi aprovado em um órgão público. Caso fosse aprovado na prova do Conselho Regional, ele, que é de Fernandópolis, no interior de SP, trabalharia em São José dos Campos ou em Ribeirão Preto.
O procurador pediu duas perícias médicas para avaliar as condições do veterinário de exercer a função. Na primeira, ele foi avaliado como inapto para o emprego; mas na segunda, os próprios médicos do conselho o consideraram apto a trabalhar, com restrições – como não poder ir a áreas rurais em dias de chuva, devido à cadeira de rodas.
Apesar do resultado positivo, Buosi foi barrado mais uma vez no processo seletivo.
– Eles [o Conselho] entenderam por bem reprovar o João Paulo com base no que foi comentado por três servidores que não são técnicos, são da área dele e, por sinal, subordinados ao conselho, dizendo que ele não conseguiria aguentar um dia de serviço.
Perícia atesta que o veterinário Buosi está apto para o trabalho Crédito: Reprodução
Entre a aprovação e a última perícia passaram-se quase dois anos. Sem acordo, o procurador entrou com processo na Justiça para que o veterinário seja nomeado imediatamente para o emprego, e avaliado em um estágio de dois anos, ou seja, exercendo a função, um procedimento padrão em concursos do tipo.
– Houve duas irregularidades [cometidas pelo CRMV]: primeiro que desrespeitaram a ordem do concurso, quando chamaram o segundo colocado, e segundo não fizeram uma perícia que excluísse [definitivamente] o veterinário do processo seletivo.
Na ação, o procurador ainda pede uma indenização no valor de R$ 1 milhão, a ser revertida em medidas de inclusão de deficientes.
– [O dinheiro] vai ficar em uma conta da Justiça, e a gente vai ver se doa a alguma entidade ou investe em alguma obra específica.
Cadeirante desde 2002
Cadeirante desde 2002, após um acidente, Buosi vinha se dedicando a concursos pelas condições de acesso a deficientes que ele não encontrava em outros empregos. Mas a batalha travada com o CRMV o desanimou.
– Até tive outras oportunidades, mas esbarrava na acessibilidade, aí prestei esse do Paraná e acabei virando “concurseiro”. Meu objetivo sempre foi um concurso do Ministério da Agricultura, mas esse fato me desanimou muito. Não consegui mais pegar firme nos estudos. Fico pensando que pode não dar certo de novo e não vai ser por falha minha.
Liminar na Justiça
Enquanto o processo judicial prossegue, o procurador Lacerda ainda espera um parecer favorável em uma liminar que já foi enviada por ele à Justiça e pede a nomeação imediata de Buosi.
O veterinário, que segue trabalhando em Jales, em um órgão no qual também entrou via concurso, diz já nem saber o que esperar do futuro.
– Já estou tão frustrado, decepcionado, perdi tantas noites de sono com isso que não tive nem tempo de pensar se quero ou não esse trabalho, estou meio que deixando rolar.
Fonte: Surgiu