Projeto que passa despercebido do grande público, feito por gente que chama atenção por ser considerada ‘diferente’, a Trupe do Trapo – que há 5 anos faz trabalho de inclusão de pessoas com deficiência à música e ao teatro – sobrevive à falta de incentivos. Desde seu início é a marca de algo feito para resistir às adversidades.
Hoje com cerca de 20 alunos, que passeiam dos 14 aos 75 anos, a companhia tem integrantes com deficiência mental leve, autismo, problemas psicomotores e neurológicos e deficientes físicos. Coordenada por Viviane Louro, Danielle Burghi e Sérgio Zanck, ela é sediada em sala emprestada da Escola Américo Brasiliense, em Santo André.
O trabalho é voluntário. Até pouco tempo todos tinham até aula de capoeira, mas a pessoa que ministrava o esporte teve de apertar a agenda e abrir mão das aulas no grupo.
Com dois espetáculos no currículo, ‘O Andarilho In-Canta-Dor’ e ‘A Máscara da Liberdade’, a trupe trabalha com a versatilidade de cada artista do elenco. Há quem toque, cante e atue, e suas montagens trazem sempre a mescla das artes cênicas e musicais.
“Temos um resultado artístico muito bom. Há pessoas que nos assistem e descobrem que somos como qualquer outro grupo de arte. Saímos dos padrões do ‘só pode tocar se for vituoso’ ou ‘só pode subir ao palco se for uma loira magra'”, conta Viviane.
O artista Eduardo Lázaro Dantas acredita que o trabalho da companhia é fundamental para o combate à ignorância que cerca a opinião dos outros com relação aos deficientes. “Já sofri muito preconceito. É uma das piores armas que o homem usa contra o outro”, diz ele, que gosta principalmente de cantar e narrar.
Renan Vernon conta que uma de suas maiores descobertas, além da paixão pela acrobacia, foi feita quando ingressou na trupe: “Aprendemos que a maior dificuldade de lidar com outros não está na gente, e sim nas pessoas preconceituosas.”
Viviane explica que o processo de trabalho é diferente, vai pela demanda cognitiva de cada um. E conta que a falta de profissionais, voluntários e projetos como este fazem com que não existam opções para os integrantes fora da Trupe, um dos motivos pelos quais o projeto não pode encerrar.
Coro endossado por todos é o de que não há limites para a ambição e os projetos futuros do grupo. “Aqui percebemos que a limitação é muito mais da sociedade e dos padrões estipulados do que da realidade”, diz a professora.
A Trupe está aberta a novos integrantes. O contato pode ser feito através do site http://www.trupedotrapo.wordpress.com
Também vítimas da exclusão
Orlanda Teixeira de Mello, 65 anos, não tem nenhum tipo de deficiência, mas viveu durante seis décadas impossibilitada de viver sua vida na plenitude. “Venho de uma época muito repressiva, na qual as mulheres não tinham direito. Eram preparadas para casar, ter filhos, obedecer e calar”, conta ela, que até se aposentar era instrutora na APAE.
Assim que parou de trabalhar, deixou-se levar para o caminho que sempre desejou, permeado pela arte. Entrou para a Trupe e sentiu-se tão plena que já expôs trabalhos de artes plásticas, faz sapateado e está finalizando o supletivo para entrar na faculdade.
“Aprendi a ser criança, a ser aluna e amiga. Não existe rótulo aqui, apenas vidas. Hoje, só percebo que tenho 65 anos se olho no espelho.”
História parecida é a de Zélia Cavenato Gonzalez, que aos 75 é a mais velha do grupo. Como Orlanda, ela dedicou a vida ensinando pessoas com deficiência. Quando deu-se conta, o tempo tinha passado, e com ele a certeza de que ainda precisava fazer muito por si mesma.
Aulas de teclado, italiano, capoeira e o sonho de começar a tocar cavaquinho marcaram o encontro com sua própria história, que ganhou luz diferente a partir do contato com o grupo. “Todos da trupe me enriquecem, nos completamos nas diferenças”, diz Zélia.
Ruan Macedo Oliveira, de 14, o mais jovem do grupo, pensa igual. Ele não é deficiente e encara o caminho de São Paulo a Santo André todo sábado para os ensaios. “Tem quem acredita que vai chegar aqui e encontrar gente babando”, diz o jovem, que achou que não iria se dar bem na trupe até a terceira semana de aula. Ele, que era tímido e tinha dificuldade de se articular, vem se expressando cada vez melhor durante esses seis meses no grupo.
Grupo começou com pesquisa universitária
Foi enquanto fazia mestrado na área de música e inclusão que Viviane Louro observou a carência de material que interrelacionasse os assuntos. Ela, que até então tinha carreira como pianista, começou a trabalhar em ONGs. Pensou que iria ser extremamente difícil, para não falar impossível, trabalhar com deficientes mentais, mas logo que encarou 25 deles, no início da carreira, percebeu que dava para fazê-lo.
O projeto da trupe partiu de uma oficina que ela ministraria durante alguns meses. Nenhum dos alunos queria que a experiência findasse. “Virou projeto de vida. Vi que o trabalho nessa área tinha lacunas. Quem abandonaria um trabalho cheio de possibilidades assim?”, conta Viviane, que também coordena projeto de inclusão na Fundação das Artes de São Caetano e é supervisora pedagógica de projeto social na Capital.
“Passamos por vários perrengues, não temos espaço adequado, tem aluno que, apesar da dificuldade, vem de Barueri para cá todo sábado e o grupo nunca acaba. A força que usamos para resistir me estimula a continuar.”
Vira e mexe o grupo recebe convites de fora para se apresentar. Já chegou ao Paraná e até Alagoas, além de muitas apresentações pelo Interior, mais do que as feitas pela região.
A falta de espaço adequado é um dos maiores problemas. Transporte para as viagens, também. Tanto que o grupo está para se apresentar em Bauru, mas irá com a formação reduzida do seu espetáculo, com o elenco suficiente para lotar a van que conseguiram.
Viviane, que já tentou conseguir algo pela Secretaria de Inclusão Social andreense – e se viu envolta numa burocracia impossível de solucionar os problemas do grupo -, pensa na possibilidade de mandar uma carta para Luciano Huck, para ver se o apresentador global pode dar um força à Trupe.
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC