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Autismo, nem tudo é azul

Matéria recente do jornal americano “The Washington Post” causou impacto, por ser parte das preocupações das famílias de autistas. O júri de Stafford (Virgínia), considerou Reginald, 19, autista, culpado por agredir um policial e recomendou dez anos e meio de prisão. Uma mulher, sentada no plenário -que não era sua mãe-, soluçou.

Ela só chorou quando entrou no carro; havia ido aos julgamentos do dia e, ao ouvir a decisão, fez um paralelo entre o réu e o filho James, 17, também autista. Ele poderia ter feito a mesma coisa, disse, mostrando hematomas em seu corpo causados pelo filho, que, sem controle, entrara em estado de violência. 

As causas do autismo -transtornos globais do desenvolvimento, caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e de comunicação e por repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo- continuam a ser objeto de amplo debate. Só os fatores genético e hereditário parecem ser consenso.

Mas o que pouco se debate é o crescente número de crianças autistas, que se tornam adultas e devem viver em sociedade. Há uma taxa de 1/110 para o espectro autista, sendo 1/70 quando avaliado o sexo masculino. 
Não há um autismo, mas “transtornos do espectro do autismo”, dadas a variedade e a complexidade de comprometimento. Há pessoas com retardo mental e total incapacidade de comunicação, mas há pessoas verbais, inteligentes, com excelente grau de autonomia. E mais de 50% não apresentam restrição global de QI.

Entretanto, o sofrimento é a dificuldade de interação social, pois, a par da insuficiência e até da impossibilidade de comunicação verbal, a comunicação não verbal é sempre prejudicada. Mesmo nos autistas de alto funcionamento e nos que têm síndrome de Asperger (forma mais branda de autismo), a interpretação literal e a redução de entendimento do implícito, da linguagem visual, gestual e corporal, enfim, estão presentes.

Há mais: estereotipias motoras, de fala, rejeição ao contato físico, dificuldade de fixação do olhar, necessidade de rotina, sofrimento em alterá-la e a enorme angústia de ter a consciência de ser diferente. Por fim, mas não tudo, a autoagressão.

Diagnóstico precoce, acompanhamento médico, terapias cognitivas e corporais, com inclusão escolar e estímulo das habilidades, podem assegurar grandes melhoras, proporcionando até autonomia e integração social plenas. 
Uma busca nas decisões criminais dos nossos tribunais pouco revelou. Estarão os autistas recebendo o justo julgamento pela “inadequação” de comportamento? Estarão sendo diagnosticados? As medidas de segurança estarão adequadas? E a execução? Qual o desfecho dessa história?

O encarceramento de um autista é desastroso. Pior, talvez seja injusto, considerando que ele poderá não ter a consciência prévia e lógica do resultado do ato que praticou. O soluço daquela mãe é a síntese: o sentimento de distância entre os aspectos reais de doença psíquica de alta incidência e larga variação e o despreparo da sociedade para lidar com o ajuste entre diferentes segmentos da população. O choro era de medo: pelo despreparo da sociedade para agir e reagir.

Por comodidade ou desconhecimento, a decisão isolou um autista do segmento definido como sadio para juntá-lo a outro, o dos delinquentes, que tiveram a intenção ou assumiram o risco de cometer crimes cuja significação conheciam. 
Quantos autistas serão injustiçados para que a sociedade se sinta mais segura, antes de constatar que a correção pode ser questão médica, de educação e inclusão social?

Amanhã, no Dia Mundial do Autismo, cidades estarão iluminadas de azul, cor símbolo do autismo. Mas nem tudo é azul.

Cecília Mello é juíza federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mãe de um Asperger de 19 anos, estudante de direito, é associada-fundadora da ONG Autismo & Realidade.

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