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Exclusão em concurso público começa mesmo antes da realização da prova

Me inscrevi para o concurso público da Prefeitura Municipal de Campinas para o cargo de professor adjunto de português, concurso este que está sendo preparado pela Fundação Getúlio Vargas. Como tenho deficiência visual, pretendia realizar prova em Braille pois é o meu meio natural de leitura e escrita. Não optei por ledor pois me sinto bem mais à vontade com o Sistema Braille, principalmente, tratando-se de uma prova em que o foco principal é a língua portuguesa, há detalhes importantes que poderiam passar despercebido ao ledor, que podem influir na resposta certa a uma determinada questão.

Contudo, dentre as opções de tipos de provas especiais, não havia a opção de Prova em Braille, fato que me causou estranheza, havendo apenas a possibilidade de prova ampliada ou ledor.

Assim, escrevi em um campo editável logo a baixo das opções de tipos de provas, que tinha necessidade de prova em braille, e ainda, atendendo há um item do edital que pedia que eu enviasse para a FGV até o dia 17/11 o laudo médico e uma justificativa sobre a prova escolhida, enviei via SEDEX no dia13/11 os documentos solicitados pela instituição e mais um reforço no pedido de prova em braille.

A prova seria realizada no dia 7/12, tendo sido transferida de última hora para o dia 14/12. No dia 05/12 recebi um telefonema da FGV comunicando-me que não seria possível o preparo de prova em Braille pois segundo a instituição, não houve tempo suficiente para isto.

Ora, é lamentável, principalmente, em se tratando da Fundação Getúlio Vargas, organização amplamente reconhecida no Brasil, que tal fato ocorra vindo desta instituição.

Pelo menos deveriam encontrar uma justificativa mais sensata e aceitável, pois é de amplo conhecimento, que através dos modernos recursos tecnológicos hoje disponíveis para a preparação de textos em braille, em meia hora, se prepara uma prova. A Fundação Getúlio Vargas teve mais de vinte dias para fazê-lo e me comunica faltando ainda uma semana para a prova, uma vez que a mesma foi adiada, que não o fará por falta de tempo.

Então voltamos ao marco zero, nem parece que estamos no terceiro milênio, na era das tecnologias assistivas e no discurso vazio da tal inclusão que é muito bonito no papel ou nas palavras de teóricos que não vivem a nossa realidade, mas que, na prática, pouco tem se conseguido efetivamente no campo das realizações com resultados verdadeiramente inclusivos.

O que podemos esperar das instituições que procedem desta forma? Se a FGV se nega a preparar uma prova em Braille, não sei por que motivo, uma vez que eles não deram uma justificativa plausível, o que podemos esperar das demais instituições organizadoras de concursos públicos? E como ficamos diante de tal situação?

Já vou para a realização da prova em um nível grande de desvantagem em relação aos demais candidatos que terão suas provas em mãos e tranqüilidade para fazê-la. Ficarei na dependência de um ledor, com o qual, posso não ter empatia, o que me deixará bastante desconfortável e a todo momento terei que lhe questionar sobre pontuação, ortografia e mesmo sobre outros detalhes do texto, pois como dito acima o conteúdo principal da prova é a língua portuguesa.

Espero sinceramente que a FGV se pronuncie sobre tal postura, pois já estou sendo excluído do concurso antes mesmo de sua realização e que, a Prefeitura de Campinas, também tenha conhecimento do que está ocorrendo e tome alguma atitude em relação ao direito que tenho de realizar esta prova através do Sistema Braille. Esta exclusão é prevista no edital do concurso Capítulo IV Item 23 abaixo transcrito:

23. Os candidatos deficientes visuais terão condições especiais para realização da prova.

23.1. aos deficientes visuais (amblíopes) serão oferecidas provas ampliadas;

23.2. aos deficientes visuais (cegos) será oferecido ledor;

23.3. no caso de utilização de ledor especializado, este transcreverá as respostas para o candidato, não podendo a Prefeitura Municipal de Campinas ou a FGV serem responsabilizadas, posteriormente, por qualquer alegação, por parte do candidato, de eventuais erros de transcrição provocados pelo ledor.

Ou seja, como o edital não prevê mesmo a realização de prova Braille, não se sabe de quem é a responsabilidade maior, se da FGV ou dá própria Prefeitura de Campinas, e à nós, enquanto pessoas cegas, cabe esquecer o Braille e aceitar situações tão absurdas e excludentes quanto esta. Até quando?

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