Santana explica que levou um tiro quando ainda era aspirante a oficial, em uma feira agropecuária na cidade de Guaratinga. Na época ele comandava o 1º pelotão de Eunapólis, um povoado de 100 mil habitantes e estava em serviço quando sofreu o acidente. Em casos como o de Santana, a conseqüência mais provável é que o profissional se afaste de seu posto e se aposente por invalides. No entanto, a PM da Bahia custeou sua reabilitação e depois convidou-o a voltar para suas atividades.
“Aceitei impondo apenas uma condição: a de ser tratado como qualquer outro oficial sem regalias nem benefícios, o que foi de imediatamente aceito pelo comandante”, afirma Santana, que passou a realizar todo o planejamento de operações na região da sessão que atuava.
O empenho e a qualidade do serviço prestado por Santana o levou a ganhar várias promoções na corporação. Atualmente ele assume o posto de Major na PM e é subchefe do Serviço de Ação Social da PM da Bahia. Confira sua entrevista:
Sentidos: O senhor afirma que o fato de sua corporação dar oportunidades ao policial vitimado em serviço significa um grande avanço, pois isso não costuma acontecer em outras corporações. O que diferencia a PM da Bahia e o que costuma acontecer em outras corporações em casos assim?
Paulo Afonso Santana: Quando me acidentei houve uma tolerância por parte da corporação em aceitar-me, e quando tive a oportunidade de mostrar a minha capacidade profissional agarrei-a com unhas e dentes, matando um leão por dia e deixando outro amarrado para o dia seguinte. Demonstrando meu potencial e provando que andar é muita coisa, mas não é tudo, e que com uma cadeira de rodas a gente pode muito.
Desconheço que em outras corporações existem casos semelhantes. Isso seria de grande valia, não só para as outras corporações, como também para o policial vitimado. Não só pelo aproveitamento de um profissional pronto, como também pelo resgate da auto-estima de uma pessoa que sofreu um acidente.
Conseguimos dar um avanço muito grande aqui com a reforma do Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia, na Lei 7900 de 28/12/2001 que no artigo 212 diz:
“Aos policiais militares que se incapacitem para o serviço policial militar e que, à juízo da Junta Medica Oficial, reúnam condições de serem readaptados para o exercício de atividades administrativas, fica assegurada a faculdade de optarem pela permanência no serviço ativo e, nesta condição, prosseguirem na carreira”.
Sentidos:Como funciona o Serviço de Ação Social da PMBA?
P.A: Atuamos atendendo os policiais militares e seus familiares na capital e no interior, dando suporte, orientação, encaminhamento e acompanhamento nas áreas social, judicial, psicológica, religiosa (católica e evangélica), além dos programas de alcoolismo, depressão, casamento coletivo, doação de óculos, próteses, órteses, funerais etc.
Em setembro de 2002, fui nomeado pelo Governador do Estado membro da Comissão Permanente de Apoio as Famílias de Policiais Vitimados em Serviço, tendo como prioridade elaborar, implantar, acompanhar mecanismos voltados a auxiliar e amparar dependentes do servidor policial morto ou que se tornou inválido no cumprimento do dever funcional.
Sentidos:Existem outras pessoas com deficiência em sua corporação?
Santana: Sim, antes mesmo do novo Estatuto dos Policiais Militares já existiram outros casos.
Sentidos: Como é a acessibilidade nas cidades baianas, as barreiras arquitetônicas ainda são muitas? E a questão do preconceito?
Santana: Na capital existem alguns pontos turísticos com acessibilidade. Nas cidades do interior inexistem facilidades primárias, o que torna nossa a vida bastante difícil. Mas, maiores que as barreiras arquitetônicas, são as barreiras do preconceito, que são grandes em relação ao deficiente, e se tornam maior ainda quando o mesmo é negro e pobre, ai então a situação é terrível.
Sentidos: O senhor recebe algum tipo de crítica por ainda estar na ativa, já que muitas pessoas podem pensar não ser possível para um oficial da PM continuar trabalhando sendo paraplégico?
Santana: Realmente no início as pessoas criticaram bastante, pois não acreditavam que um paraplégico pudesse exercer funções no serviço policial militar, mesmo as burocráticas. Felizmente ao longo de quase 26 anos de paraplegia, pude demonstrar minha capacidade profissional com competência e amor á corporação a qual me orgulho de pertencer.
Tudo isso que realizei e estou a realizar, agradeço ao suporte da minha esposa e da minha família. Hoje tenho o respeito e o carinho de todos os componentes da Polícia Militar da Bahia.
Em relação às críticas ou preconceitos sempre digo: “Pra morrer, basta estar vivo. Pra estar numa cadeira de rodas, basta estar em pé”.
Já poderia me aposentar por tempo de serviço, mas tenho consciência de que ainda posso somar e muito na minha corporação. Enquanto tiver saúde e me derem oportunidade, estarei na lida do dia a dia da PMBA.