Quando uma limitação vira incentivo para a superação. Assim é a vida dos paraatletas de Campo Grande convocados para defender a delegação brasileira nos Jogos Paraolímpicos de Pequim, de 9 a 19 de setembro na capital chinesa.
São oito atletas que irão competir em três modalidades: futebol de sete, judô e atletismo.
Aos 26 anos, o esporte já levou Jean Adriano Rodrigues a conhecer cerca de dez países, está será sua terceira Paraolimpíada. O zagueiro do futebol de sete já conquistou medalha de bronze em Sidney (2000) e prata em Atenas (2004), espera agora subir no degrau mais alto do pódio em Pequim, mantendo a escala progressiva.
“Vamos fazer o possível para trazer o ouro. A equipe desta vez está melhor que a de Atenas e nossa briga vai ser pelo primeiro lugar”, comenta Jean.
Na modalidade que recebe o nome pelo número de jogadores (seis na linha e um no gol), cerca de 70% da seleção brasileira é escalada por jogadores de Campo Grande, o entrosamento dos atletas será a grande diferença no campo.
Ao lado de Jean, integram a seleção o zagueiro Gilberto Ferreira de Moraes, os goleiros Irineu Nunes Ferreira e Marcos Santos Ferreira, o ala Renato Rocha Lima e o atacante, Luciano Gonçalves da Rocha.
Os atletas do futebol de sete embarcam amanhã para o Rio de Janeiro onde treinam durante uma semana com a seleção. No dia 26, eles viajam para Pequim.
Primeira vez – Outras duas modalidades de menor tradição no Estado também terão representantes sul-mato-grossenses. Rosenei Herrera irá disputar pela primeira vez uma Olimpíada no atletismo, nas modalidades de lançamento de dardo e arremesso de peso. Já a judoca Michele Aparecida Ferreira, vai defender o Brasil nos tatames da China.
Superação I – A cor da faixa impõe respeito, a judoca Michele Ferreira, de 23 anos, é a atual campeã brasileira na categoria meio/leve (até 52 quilos).
Da infância tímida em Mundo Novo, Michele descobriu o mundo graças ao esporte. Vítima de toxoplasmose congênita, tem apenas 10% da visão do olho direito e 5% do olho esquerdo. Mas ela enxerga diretinho onde deve estar o oponente “no tatame”.
Ao lado do namorado, Rafael Moreira de 20 anos, também judoca e cego, Michele aproveita os últimos dias antes de embarcar para as olimpíadas.
Ela conta que o contato com o esporte foi por acidente, “comecei porque eu procurava algum projeto para cegos. Fui para o Ismac (Instituto Sul-mato-grossense para cegos) e lá me indicaram o judô”.
Ela também não imaginaria que em apenas quatro anos de treinamento sua vida mudaria radicalmente, “não consigo imaginar minha vida sem o judô, acordo pensando em como vai ser meu treino”, revela.
Hoje “bem resolvida”, Michele relembra que já sofreu bastante na infância por causa da deficiência física “quando eu estudava as escolas não estavam preparadas para atender um deficiente físico, eu ficava no canto”.
O segredo que Michele usou para chegar onde está, ela entrega sem problemas: “Nossas dificuldades são como os adversários, cada dia temos que vencer um. Um de cada vez, são podemos desistir”, revela seu estilo de vida.
Superação II – As peladas jogadas na rua poderiam não dar em nada para um menino vítima de paralisia cerebral. A falta de oxigenação no cérebro no nascimento de Jean deixaria uma marca para toda a vida.
História que passa tranquilamente despercebida ao ver o treinamento do zagueiro, a habilidade com a bola ofusca qualquer limitação física.
“É bobeira pensar que por ser deficiente, você é menos capaz de fazer alguma coisa. Todos nós temos deficiências. Algumas pessoas têm deficiências internas, no caráter e tratam mal as outras”.
Jean diz não se lembrar de quando deixou de brincar por causa da deficiência. “Eu sempre brinquei com os garotos da rua sem problemas”.
De bem com a vida Jean, que há dois meses mora sozinho, brinca com as dificuldades: “descobri que sou um ótimo cozinheiro”. Ele conta que durante muitos anos dormia com a bola na cama, e que ela, já foi motivo de briga com as namoradas “eu dizia você pode dormir no sofá, mas a bola fica na cama”, dispara em gargalhadas, mas explica que hoje a bola tem o lugar dela dentro do armário.
No último treino antes de viajar, Jean deixa escapar que sente frio na barriga só de pensar nas olimpíadas, “já cheguei a perder o sono e ficar só pensando nos jogos”.
A dedicação e o esforço se transformaram em reconhecimento. Jean começou a praticar o esporte em 1998, no ano seguinte já era campeão brasileiro, em 2006 começou a receber patrocínio do Bolsa Atleta, que garante sustento para que ele viva do esporte.
Ele conta que já recebeu propostas para jogar no Rio de Janeiro, mas afirma que não deixa Campo Grande. “Aqui tenho os meus amigos, minha família, e é aqui que está a força do futebol sete do Brasil, não tem porque sair”.
Na mala Jean sempre guarda um espaço para levar uma bíblia, o videogame e o tereré, “a gente não pode perder a fé, não importa o lugar que vamos estar. A bíblia sempre tem uma palavra para quando estamos ansiosos”, justifica.
Para o treinador, Antônio Carlos Barbosa, fazer parte da equipe de futebol de sete é uma lição de vida. Barbosa começou como voluntário e se apaixonou pelo trabalho, ele que também treina equipes de jovem sem necessidades especiais avalia as diferenças.
“A maior diferença não é a deficiência, mas a força de vontade. Um jogador de futebol de sete nunca reclama de cansaço, já um menino “normal” é muito preguiçoso. Eles servem de exemplos para mim e para qualquer um”.