A luta de Felipe Laranjeira, 14 anos, por acessibilidade é mais árdua que a corrida de um atleta pelo ouro olímpico. Portador da doença genética mielomeningoceles _ lesão medular que pode resultar no comprometimento de órgãos e membros _, ficou paraplégico e depende da cadeira de rodas para se locomover. A maratona do adolescente teve início em 2006, quando deixou a escola particular, devido às dificuldades financeiras dos pais, e começou o ano letivo num colégio público, sem qualquer estrutura para atender suas necessidades, a exemplo de banheiro para deficiente físico.
As conquistas de Felipe são verdadeiras medalhas. Com a ajuda do pai, Joaquim Laranjeira, 53, que abdicou dos empregos de operador de processos no Pólo Petroquímico e de corretor de imóveis, o adolescente bateu recorde nas reivindicações. Hoje, o Colégio Estadual Úrsula Catarino, no Politeama, onde o garoto estuda desde 2006, já possui banheiro adaptado e aceita a matrícula de alunos especiais, mesmo sem uma infra-estrutura ideal.
Disciplina e atenção com o aluno foram quesitos fundamentais para Joaquim optar pelo colégio. “A questão das adaptações eu resolveria depois, queria que ele estudasse num lugar bom. Foi difícil, mas já conseguimos algumas mudanças e vamos conquistar mais”, afirma Joaquim. A matrícula de Felipe foi bastante conturbada. No início, o diretor da instituição alegou falta de estrutura para o aluno. Ao tomar conhecimento do caso, a superintendente da Secretaria da Educação (SEC) à época, Joseli Resende, garantiu a vaga e, para driblar as problemáticas da infra-estrutura, transferiu a turma da 6ª série para o piso térreo.
A trajetória de Felipe foi pioneira no colégio. Depois dele, a instituição já abriu as portas para mais três adolescentes portadores de necessidades especiais. “Esses alunos nos ensinam a viver com a diferença. Os colegas entendem bem isso e todos se tratam como iguais”, explica a vice-diretora da escola, Sandra Itana Pitanga. Segundo ela, as aulas de educação física motivam a interação entre os alunos.
E é só falar em esportes que Felipe se anima. “O basquete é o melhor”, garante. Assistir à Olimpíada também é um hobby para o adolescente, que lamenta o fuso horário da China, porque sempre acaba rendido pelo sono. Competir é um sonho distante, mas bem que ele gostaria de integrar uma equipe de basquete, aqui mesmo em Salvador. Durante o intervalo das aulas, sua distração é jogar com os amigos. Já em casa, a diversão é praticar esportes pelo computador.
Atleta por natureza – A paixão de Felipe pelo basquete surgiu graças ao incentivo de um primo. O garoto o levou para a escola particular onde estudava. Lá, havia a prática do esporte e equipes com cadeirantes. “Ele foi estudar lá depois, na segunda série. Nessa época, tínhamos condições. Depois as coisas apertaram e tivemos que tirá-lo”, lamenta Joaquim. O irmão de Felipe, Matheus, 18 anos, também teve que estudar em escola pública. Às vésperas do vestibular, ele não pode mais dar atenção a Felipe, que passa a maior parte do tempo entretido com os esportes virtuais.
O ensino público, segundo o pai, não deixa a desejar. Mas Felipe não se considera um exemplo de aluno. A matéria que mais gosta é geografia e a que menos se identifica é matemática. “Alguns especialistas afirmam que a doença provoca dificuldade de aprendizado em matemática, mas nem nos preocupamos com isso, ele é muito bom em português”, justifica o pai. Apesar de não ser bom com números e equações, Felipe tem destreza no basquete. Calcula com precisão o impulso que deve dar à bola e a distância exata para acertar a cesta.
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Efeito multiplicador
Surtiu efeito a labuta de Joaquim Laranjeira para fazer valer os direitos de Felipe enquanto portador de necessidades especiais. A diretoria do Colégio Estadual Úrsula Catharino solicitou ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-BA) uma vistoria para verificar as condições de acessibilidade da escola. De acordo com o engenheiro civil e arquiteto do órgão, Giese Nascimento, esta é uma iniciativa inédita na Bahia. “Após a apresentação dos resultados, a escola deverá encontrar meios para se adequar ao desenho universal de acessibilidade”, explicou.
O laudo deve ser entregue à diretoria do colégio em, no máximo, 30 dias. A visita técnica foi realizada na manhã de ontem pelo Grupo de Acessibilidade do Crea-BA, que observou as estruturas internas como batentes, soleiras, escadas e salas de aula, além da área externa, o que incluiu a avaliação de cinco pontos de ônibus no entorno da instituição. A iniciativa da diretoria é considerada mais uma vitória para Joaquim, que fez questão de acompanhar o trabalho dos técnicos.
Mas ainda há muito que se conquistar. Na cidade, pai e filho enfrentam uma verdadeira corrida contra os obstáculos. Driblam a irregularidade dos passeios em pedras portuguesas, os ambulantes nas calçadas, os ônibus sem acessibilidade, sem falar nos momentos em que precisam dividir a pista com os carros. “Felipe sente falta de independência. Ele gostaria de ir para a escola sozinho, mas infelizmente é inviável. Essa será nossa próxima luta”, assegura o pai.