Os paraenses, os brasileiros e o mundo vibraram com a vitória de Alan Fonteles nas Paralimpíadas de Londres 2012. Ele superou o seu próprio “ídolo”, o sul-africano Oscar Pistorius, na prova dos 200 metros, categoria T44, e alcançou a medalha de ouro em apenas 21s45 de competição. Mais do que vencer as pseudo limitações que a vida lhe impôs, Alan ensinou a todo mundo que as dificuldades estão dentro de cada um. Não existem barreiras quando se tem determinação. Não há obstáculos diante da realização de sonhos. Assim como Alan, outras pessoas também são exemplos de superação por alcançar ideais que aos olhos da discriminação são impossíveis de serem realizados e por serem os melhores naquilo que se propuseram a fazer.
Os sonhos podem ser simples e também podem ser complexos. Eles podem traduzir um desejo singelo de uma bailarina da cidade de Ourém, nordeste paraense, que espera – um dia – se apresentar no Teatro da Paz, em Belém. Podem refletir o projeto de um professor surdo que luta para publicar um livro, construir uma escola bilíngue e que ainda contagia ao público quando se apresenta no palco. Os sonhos dos deficientes físicos também podem não ser de grandes feitos, mas apenas de mostrar ao seu semelhante a igualdade e as diferenças no coração de cada ser humano.
Todos estes sonhos se remetem a uma característica comum que é a motivação. Motivação esta que faz bailarina Tayane Santana, 24, se dedicar ao balé e superar as dificuldades de fazer passos e coreografias com apenas uma perna. No ano passado, a bailarina se destacou durante o Festival Internacional de Dança da Amazônia (Fida), onde conheceu a sua “ídolo” Ana Botafogo. Este ano, ela pretende brilhar novamente com o espetáculo “Alice e suas flores”. “O balé é uma fonte de superação para mim”, disse.
A sua ligação com a dança teve início há seis anos quando se mudou para a capital paraense para se tratar de um tumor ósseo no joelho esquerdo, que se originou em consequência de uma queda durante a sua infância. Por causa da enfermidade, perdeu a perna, mas não a vontade de viver e alcançar seus ideais.
Graças ao apoio da Associação de Voluntariado de Apoio a Oncologia (Avao), Tayane começou a ter aulas de balé e já se apresentou em diversos espetáculos. “Eu comecei a dançar como forma de terapia, porque eu estava em depressão pelo meu problema. Hoje, o balé faz parte da minha vida e me proporcionou a experiência maravilhosa de encontrar e conhecer a Ana Botafogo (bailarina)”, exaltou ao celebrar a realização de um sonho.
Questionada se sente limitada a dançar, Tayane responde de imediato que não. “As limitações não vem de mim, vem dos outros”, considerou. “Mesmo sendo do balé eu danço tudo e gosto de dançar”, afirmou.
A jovem cursa o quinto semestre em Serviço Social na Universidade Federal do Pará (UFPA), e diz que se sente realizada em vários aspectos. Espera agora conseguir realizar seu próximo sonho que é se apresentar no palco do Teatro da Paz.
“Superação é responsabilidade com compromisso e caráter”, afirmou o professor Kleber Couto, 41, que é surdo e atualmente ministra aula para mais de 150 alunos, dentre ouvintes e também surdos. Ele dedica a sua vida ao seu trabalho e as artes, onde coordena o grupo de teatro intitulado de “Os palhaços surdos”. O professor está na luta para conseguir publicar um livro confeccionado por ele próprio – pelo qual ensina, de maneira regional, a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). O feito ainda não foi alcançado porque nenhuma editora se prontificou em publicar a bibliografia.
>>Persistência é aliada para se vencer grandes obstáculos
Kleber nasceu surdo e relata que teve uma infância difícil, onde não conseguia alcançar a inclusão social porque seus amigos não conseguiam compreender a linguagem de sinais e corporal que usava para se comunicar. Aos 15 anos de idade queria ser comissário de bordo, mas este sonho foi arrancado porque disseram para ele que era preciso conseguir falar para trabalhar nesse ramo.
Por meio da Libras, o professor disse que já pensou em ser ator global porque teve a oportunidade de conhecer o ator paraense Cacá Carvalho. Este sonho também lhe foi retirado porque disseram que para trabalhar em TV ele precisava ter voz. A sua realização veio anos depois, em 1997, quando concluiu o Ensino Médio onde se formou em magistério. “Eu nunca imaginei que um dia pudesse ser professor! Ninguém acreditava em mim”, comentou.
Questionado se hoje se sente realizado, ele esboça uma expressão de alegria e confirma que sim, e colocou que por ser professor conseguiu obter respeito por parte das pessoas que não o compreendiam. “Estou mais feliz ainda por ter fundado o grupo de palhaços surdos”, acrescentou. “Esta realização me deixou mais perto do teatro e de uma carreira de ator”.
Para o professor, o preconceito das pessoas não atrapalha a alegria dele de fazer com amor o seu trabalho com jovens e crianças, ouvintes e surdos, e também de sorrirem com a “palhaçada” que faz. “A discriminação continua, ela sempre vai existir e nunca acabar. Quando vou ao shopping, por exemplo, as vendedoras me olham estranhos. Algumas até riem da forma que me comunico”, reclamou. Porém isto não lhe desanima, pelo contrário, lhe dá coragem para seguir a diante com o seu projeto de publicar um livro com imagens e figuras de elementos regionais que traduzam a linguagem de sinais.
>> Deficiência nasce junto com os mais fortes
De ascensorista para recepcionista, Roseneire Campos, 38, alcançou a sua realização profissional e afirma que tem orgulho de ser quem é e o que faz. Para ela, o deficiente é uma pessoa forte, escolhida por Deus para enfrentar os obstáculos que a vida impõe. Aos nove meses de idade, Roseneire caiu da rede e em consequência sofreu uma paralisia que afetou o desenvolvimento da perna esquerda. “A deficiência só aparece quando eu ando”, frisou.
“Passei a infância toda no hospital, aprendi a andar quando já estava com 10 anos de idade. Nas escola, os colegas faziam piadas e foi difícil”, se emocionou Roseneire. As lágrimas que escorriam não foram pela lembrança de um tempo difícil e sim pela vitória de ter alcançado diversas realizações.
“Eu lembro que quando comecei a trabalhar no shopping, foi como ascensorista no elevador e uma colega comentou que eu ia ficar ali por muito tempo. O que ela quis dizer é que eu jamais poderia sair daquela função e hoje sou recepcionista e ela continua no mesmo cargo”, relatou. Ela trabalha em um shopping center na BR-316 há quatro anos.
Na nova função que lhe foi atribuída, Roseneire é respeitada e querida pelas colegas de trabalho que dizem que aprendem diariamente com ela. “Nós (deficientes) não somos diferentes e algumas pessoas insistem dizer que somos. Somos, na verdade, pessoas de luzes que nascemos para enfrentar obstáculos”, disse a recepcionista.
Pessoalmente e profissionalmente ela se sente realizada, até mesmo porque aprendeu a lidar com o preconceito na escola e considera que hoje não enfrenta mais esse problema no trabalho porque sabe como lidar com as indiferenças.
“Nós não somos frágeis, somos fortes”, desfechou Roseneira ao frisar o segredo da superação que é acreditar em si próprio e buscar os seus ideais. “Quando a gente acredita em nosso potencial, não há limitações e nem barreiras que nos impeça de sermos felizes”, resumiu. (Diário do Pará)