Decisões possibilitaram aos pais de deficiente conseguir veículo com isenção fiscal e pensão a homossexual viúvo
Certa vez, ao falar sobre a Justiça, o pensador Rui Barbosa proferiu: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”. As sábias palavras se traduzem em duas decisões judiciais recentes em Bauru. Em uma delas, pais de um deficiente conseguiram o direito de comprar um automóvel 0km com mais de R$ 10 mil de isenção de impostos. Na outra, um homossexual busca o direito à pensão depois da morte de seu companheiro (leia mais abaixo).
Há 13 anos nascia José Pedro Adriano. Filho de Carlos Henrique, 54, e Lúcia Helena Bircol, 53, ele aparentava ser uma criança saudável. “Mas ele nasceu com uma síndrome mitocondrial, que é degenerativa. Hoje, além da perda dos movimentos das pernas, tem uma deficiência visual completa e certo atraso cognitivo”, conta a mãe.
O garoto faz inúmeras atividades em várias instituições da cidade para que o problema não evolua. E é aí que está a maior dificuldade. Para a locomoção, a família, que mora no Terra Branca, conta com uma Parati de duas portas, com mais de 20 anos de idade.
A saída seria adquirir um veículo mais novo. “Queremos um automóvel com bastante espaço para conseguir colocar ele com facilidade”, conta Carlos Henrique. O automóvel seria uma Parati, quatro portas, estimada em R$ 47,6 mil. “Não cabe no nosso bolso”, lamenta o pai do garoto.
Por João Pedro ser deficiente, os pais poderiam adquirir o carro com isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Porém, a família entrou na Justiça e conseguiu, em primeira instância e de forma inédita na cidade (leia ao lado), a isenção também do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Pela legislação atual, a isenção destes dois últimos impostos só ocorre para os próprios deficientes que são condutores de veículos. “É um absurdo. Geralmente, quem não conduz o veículo tem ainda mais necessidades do que aqueles que conduzem. É o caso do meu filho”, desabafa Lúcia Helena.
Por isso, a extensão do direito aos pais para que eles comprem o carro foi bastante comemorada. “É uma vitória. Conhecemos um monte de gente que também precisa de um carro e não tem condições. Onde meu filho faz as atividades, tem um monte de amiguinhos dele que também precisa”, completa a mãe.
A decisão, proferida ontem, também foi muito comemorada por Idalina Lorusso Barbosa, a advogada da família. “Há anos eu tive um caso parecido. Uma mulher que queria um carro para levar seu marido, que tinha tido um AVC, na fisioterapia. Por conta da dificuldade, ela desistiu e ficou sem o carro. Hoje, é uma grande vitória”, relembra a advogada.
Equilíbrio
Tanto a família beneficiada quanto a advogada acreditam que a decisão vai ao encontro das palavras ditas por Rui Barbosa. “A isenção fiscal é uma forma de equilibrar todas as dificuldades pelas quais passamos”, comemora Carlos Henrique.
O advogado Eduardo Jannone da Silva, que é coordenador do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Comude) e da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Bauru, também concorda com este caráter de equilíbrio.
“O Judiciário tem olhado com bastante cuidado para estas questões. É uma forma de dar direitos fundamentais às minorias. E isto vem ocorrendo em várias áreas, como saúde, trabalho, entre outros”, completa.
O próprio Jannone possui tetraplegia e garante que esta decisão, mesmo que seja em primeira instância, é muito importante. “As pessoas precisam buscar seus direitos. A Justiça está aí para isso. Fatos como estes exemplificam esta realidade”, completa.
Decisão inédita
Tomada na 2.ª Vara da Fazendo Pública de Bauru pela juíza Elaine Cristina Storino Leoni, a decisão de estender o direito da isenção do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) aos pais do garoto deficiente seria, de acordo com a advogada Idalina Lorusso Barbosa, algo inédito em Bauru. Entretanto, pareceres semelhantes já teriam sido emitidos em outros Estados.
Por conta destas decisões espalhadas pelo Brasil, foi publicado no começo deste mês um convênio do órgão federal Conselho Fazendário estendendo o direito a quem comprovar que usará o veículo para a locomoção de deficientes.
Porém, o convênio só passa a valer a partir do dia 1.º de janeiro do ano que vem.
Homossexual busca pensão por morte na Justiça
Outro que conseguiu uma vitória recente na Justiça bauruense foi o auxiliar de serviços gerais Joaquim Bento Salgado, 49 anos. Depois da morte do seu parceiro, Luiz Roberto dos Santos, 49, ele conseguiu o reconhecimento da união estável, passo importante para obter a pensão do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Luiz Roberto, que estava desde 2004 com Joaquim, morreu em julho de 2010. “Nós construímos uma vida juntos. Quando ele adoeceu, fiquei cuidando dele por mais de um mês. Além de depressão, ele teve anemia e outras complicações”, conta Joaquim.
Com a morte de Luiz Roberto, o viúvo entrou na Justiça para que a união fosse reconhecida, o que foi obtido na semana passada com a decisão do juiz auxiliar da 2.ª Vara de Família e Sucessões de Bauru Cláudio Augusto Saad Abujamra. “Amanhã (hoje) mesmo vou ao INSS requerer a pensão”, afirma.
O valor da pensão é de um salário mínimo. Pode parecer pouco, porém, o auxiliar de serviços gerais afirma que, caso consiga o direito, terá um valor bem maior. “Além de me ajudar, mostra que todos têm este direito. É um sentimento de vitória. Um sentimento de ser igual aos outros”, completa.
O Coordenador da Comissão de Direito de Família, Sucessões, Infância e Juventude da OAB de Bauru, o advogado Olavo Pelegrina Junior, explica que é exatamente este sentimento de igualdade que deve prevalecer.
“É algo diferente do que acontece com os deficientes. Aqui (no caso do Joaquim), vemos uma igualdade. Eles conseguiram o direito de serem tratados como um casal heterossexual. E o processo vai seguir normalmente em relação à pensão. Do mesmo jeito que vai ser para ele, vai ser para um casal heterossexual”, completa o advogado.
O advogado, entretanto, crê que a Justiça age para “igualar as desigualdades” e, por isso mesmo, não teve ter um tratamento igualitário para todos. “A Justiça deve trazer um equilíbrio para que as minorias consigam desfrutar de direitos que, inicialmente, não seriam alcançáveis”, conclui.
Nos limites da Constituição
O presidente da subseção Bauru da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Augusto Silva dos Santos, confirma que a Justiça tenta contemplar tais minorias. Entretanto, de acordo com ele, “isto é feito desde que os pleitos estejam dentro dos princípios da Constituição”.
Ele afirma que há realmente prioridades nas demandas que envolvem dificuldades, como são os casos envolvendo idosos e deficientes. “São benefícios que as próprias leis colocam”.
Ainda em relação às duas decisões recentes, ele destaca que a Justiça é algo acessível, ao contrário do que muitos pensam. “As decisões acontecem. A Justiça é feita. As pessoas devem crer e buscá-la”, completa Santos.
Justiça por sobrevivência
No fim do ano passado, Bauru foi o cenário de outra decisão judicial semelhante. Na ocasião, a Defensoria Pública conseguiu que o Estado custeasse a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Domiciliar que mantém viva a pequena Giovana Vitória, de 9 anos.
A família da garota passava por grandes dificuldades financeiras e, como não tinha dinheiro para pagar os R$ 250,00 mensais da conta de energia, tinha uma dívida que se arrastava há mais de dois anos.
Após analisar o fato, a decisão do juiz da Vara da Infância e Juventude, Ubirajara Maintinguer, apontou que Giovana “tem direito à vida e à saúde” e, desse modo, “cabe ao Estado pagar pelo consumo de energia elétrica para efetivar o direito à vida”.
Fonte CJNET