Cotas de contratação – Proporção legal de deficientes deve ser razoável
Por Milena Pires Angelini Fonseca
A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, prevê cotas para portadores de deficiência no mercado de trabalho. Dispõe referida lei que as empresas que têm de 100 a 200 empregados devem reservar, obrigatoriamente, 2% de suas vagas para pessoas com deficiência, que pode ser visual, auditiva, física ou mental. Para as empresas que têm de 201 a 500 empregados, a cota reservada aos portadores de deficiência é de 3%. Para as que têm de 501 a mil empregados, de 4%.
E para as que têm mais de mil, de 5%. A definição do que vem a ser deficiência visual, física, auditiva e mental pode ser encontrada no Decreto 5.296, de 02 de dezembro de 2004, nos seguintes termos:
- Deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.
- Deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.
- Deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz.
- Deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e trabalho. Pessoas com visão monocular, surdez em um ouvido, com deficiência mental leve, ou deficiência física que não implique impossibilidade de execução normal das atividades do corpo, não são beneficiados pela Lei 8.213/91.
Importante ressaltar que deverá constar no contrato de trabalho, expressamente, que a contratação do deficiente é pelo sistema de cotas, de acordo com o artigo 93 da Lei 8213/91, Lei 10.098/2000 e Decreto 3298/99. Também deve haver atestado médico que corrobore a deficiência, apresentado junto com o Atestado Médico de Saúde Ocupacional, bem como da Audiometria no caso do deficiente auditivo e do exame oftalmológico quando for deficiente visual, devendo ser mantido junto ao prontuário do empregado para efeito de constatação em eventual fiscalização.
A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
Isso significa que, para que a dispensa de um empregado portador de deficiência ocorra de forma regular, antes de efetuar a demissão é necessário que a empresa contrate outro deficiente em seu lugar, sob pena de incorrer no risco de o deficiente dispensado pleitear em juízo a sua reintegração no empregado. Além de indenização referente à remuneração mensal recebida, pelo período de afastamento em que não houve a contratação de outro empregado em condições semelhantes.
Não é pacífico o entendimento sobre se o novo empregado deverá ou não ocupar o mesmo cargo que o empregado anteriormente demitido. Uns entendem que o simples ato de contratar outro deficiente e manter o número mínimo da reserva legal já é por si só suficiente para atender os requisitos legais. Outros acreditam que o novo deficiente deve ocupar o mesmo cargo que o anteriormente demitido. Há uma tendência jurisprudencial predominante para o primeiro entendimento.
Dúvidas surgem também se quando a empresa possui mais empregados portadores de deficiência do que o mínimo legal estipulado, se há necessidade de substituição para a demissão de algum deles. O teor da legislação em vigor, a imposição de contratação de um trabalhador em idênticas condições às do empregado que a empresa pretende dispensar tem por objetivo assegurar determinado percentual de portadores de deficiência física ou reabilitados dentro do quadro de trabalhadores de empreendimentos especificados legalmente. A configuração da ilicitude do ato de dispensa não basta apenas que o empregado demonstre sua condição de “trabalhador deficiente ou reabilitado”. E a inexistência de outro trabalhador portador de necessidades especiais, previamente contratado para substituí-lo na empresa. Impõe-se também a demonstração de que a retirada daquele trabalhador sem a prévia contratação de outro importou no descumprimento do percentual mínimo a que se refere o ‘caput’ do artigo 93 da Lei 8.213/91. Isso significa que a empresa está livre de tal condição, diante do quantitativo que permanece em seu quadro de empregados, nas condições especiais prescritas legalmente.
A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 2973/11, do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que aumenta a cota obrigatória para contratação por empresas privadas de portadores de deficiência e pessoas reabilitadas. A proposta institui essa obrigação para as empresas com mais de 30 empregados e amplia o percentual máximo para 8%, em vez dos 5% atuais.
Pela proposta, as cotas deverão ser preenchidas na seguinte proporção: as empresas que têm de 30 a 200 empregados devem reservar, obrigatoriamente, 2% de suas vagas para pessoas com deficiência. Para as empresas que têm de 201 a 500 empregados, a cota reservada aos portadores de deficiência é de 4%. Para as que têm de 501 a 1.000 empregados, de 6%. E para as que tem de 1.001 empregados em diante, de 8%. Aguinaldo Ribeiro argumenta que, apesar de a contratação obrigatória de portadores de deficiência ter mudado o cenário do mercado de trabalho, a inserção desses profissionais ainda é pequena. Argumenta também que o aumento da contratação de deficientes por empresas contribuirá para reduzir o preconceito contra esses profissionais.
O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisado pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; Trabalho, de Administração e Serviço Público; Seguridade Social e Família; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Embora a intenção do deputado federal Aguinaldo Ribeiro seja ampliar a inserção dos portadores de deficiência no mercado de trabalho, em condições dignas, o projeto apresentado deve ser analisado com reservas. Isso porque a cota reservada pela lei aos portadores de deficiência não é tarefa tão fácil, devendo a aplicação da lei respeitar o princípio da razoabilidade, levando-se em conta o empenho da empresa para o cumprimento da cota, a existência da vaga e a inexistência de profissional qualificado no emprego antes de se lavrar um auto de infração.
Nessa seara, a juíza Patrícia Tostes Poli, da 21ª Vara do Trabalho de Curitiba, anulou uma multa administrativa no valor de R$ 48 mil que tinha sido aplicada a uma empresa pelo suposto não preenchimento da cota de portadores de deficiência física, uma vez que corroborado que as cotas não foram preenchidas por falta de pessoas habilitadas. A juíza reconheceu que, conforme o artigo 93 da Lei 8.213/1991, a empresa deveria ter mais 31, dos seus 816 empregados, nas condições estabelecidas por tal dispositivo: “beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas”. Contudo, considerou que as vagas foram disponibilizadas mas não foram ocupadas por falta de pessoas interessadas, ou, no mínimo, habilitadas (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO, 21ª Vara do Trabalho de Curitiba – PR, Processo nº 34173-2009-041-09-00-4, 17.09.2010).
Milena Pires Angelini Fonseca é advogada do Andrioli e Giacomini Advogados
Revista Consultor Jurídico, 14 de março de 2012