Mauricio Sá, 49 anos, não ouve desde os seis e se comunica através leitura labial e sinais, mas garante que isso nunca foi problema em sua vida
No início da adolescência, ansioso e inquieto, descobriu o karatê. Ao chegar à maioridade, entrou para um grupo de ciclistas. Quando entrou na casa dos 40, passou a levar a corrida de rua a sério. Essas são as modalidades que Maurício Sá, 49 anos, escolheu para se dedicar e mostrar que tudo é possível quando se tem força de vontade. O analista de sistemas no Vale do Aço, interior de Minas Gerais, perdeu sua audição aos seis anos por conta de uma caxumba. Apesar disso, garante que a deficiência auditiva não o impede de nada.
Ele afirma que não fazia feio quando competia de bike, apesar de perder preciosos centésimos de segundo no início das provas. Para melhorar o desempenho, contava com a solidariedade dos professores que sinalizavam com os braços as largadas.
– A surdez, em si, não atrapalha. Alguns dos esportes exigem aptidão plena, o problema é que os organizadores não se adaptam. A minha vida esportiva começou numa época que não havia lei a favor dos deficientes. Se compararmos com hoje, diria que estamos numa situação bem melhor. Na época, contávamos com solidariedade e boa vontade das pessoas para que pudéssemos participar dos eventos, era apenas o assistencialismo e paternalismo – disse o mineiro divorciado e pai de duas adolescentes, uma de 16 e outra de 18.
Desde criança, o Maurício se comunica por leituras labiais e com a fala normal. Apesar da discriminação velada, foi um adolescente feliz. Ele revela que foi nessa época que descobriu que o esporte seria a sua vida, a salvação e superação.
– Era mais difícil na escola porque não havia uma pedagogia ou lei apropriada para receber os portadores de deficiências. Entretanto, nas primeiras aulas de educação física, descobri que o esporte era o meu mundo, o meu refúgio. Sentia-me igual aos colegas. Agora, não é diferente do passado. Eu durmo, acordo, respiro e morrerei pelo esporte – afirmou.
O atleta parou de praticar o karatê aos 32 anos, quando sua primeira filha nasceu. Nesse tempo, ficou apenas no futebol de campinho nos fins de semanas. Mais tarde, ao ter a segunda filha, voltou a praticar o duatlo e focar na corrida de rua.
– Eu era um sofrível zagueiro e havia momentos cômicos. Se fazia uma falta, o juiz apitava e eu continuava a jogada. Justificava-me ao juiz que era surdo, ele tinha a compaixão e me liberava do cartão amarelo (risos). Meus companheiros faziam a festa – contou o atleta.
Durante toda a sua vida, as dificuldades impostas pela limitação auditiva fez Maurício entender o significado e o sentido da palavra superação. Hoje, não seria diferente. Ele descobriu que poderia fazer algo, mesmo sem uma assessoria esportiva e começou as pesquisar sobre provas, alimentação e treinamento pela internet .
– Numa corrida, sou levado ao sentimento e à emoção. Sobreponho-me à lucidez e à razão. Haja adrenalina no meu sangue! Quando subo aos pódios, o sentimento é de utopia, de que conquistei o mundo e, logo, vem um raciocínio confuso de pensamento: “caramba, eu sou o cara “. É um momento único, deslumbrante e mágico – concluiu o atleta.
Como incentivo, Maurício fez questão de deixar uma mensagem para a pessoa que não se sente apta a realizar uma tarefa, mesmo sem sequer ter tentado.
“Antes de aconselhar a cada uma dessas pessoas que se consideram incapazes, diria que, em primeiro lugar, tentem descobrir a razão para a nossa existência. Provavelmente, nunca descobriremos. Então, faça o seguinte, numa manhã, abra a janela, faça sol, faça chuva, faça frio e veja como o dia é dinâmico e bonito. Vista um joging, calce um par de tênis, alimente-se adequadamente, alongue-se. Vá a uma rua prazerosa e corra pelo chão da vida. Deixe a adrenalina correr pelas veias e esquecerá o motivo da nossa existência e dos problemas do dia a dia. No fim da corrida, descobrirá que a dopamina flui na sua alma. Viva a vida como ela é: correr é mais que um esporte, é uma filosofia de vida”.
Fonte: Globo Esporte