O filme Nascido em 4 de Julho (Born on the Fourth July – 1989) é drama sobre um jovem que vai à Guerra do Vietnã (1955-1975) em seu idealismo insuflado dos anos 70, e, após ser ferido, torna-se paraplégico. Ao voltar ao seu país terá o confronto com a família, as perdas, sua nova condição humana, a exaltação de um heroísmo preso à sua cadeira de rodas. E, principalmente, enfrentará/sofrerá as mudanças de seu corpo e de sua sexualidade.
Hoje revi e repensei sobre o filme. Nesse mesmo momento a Bolsa de Nova York nos diz que o mundo hipercapitalista reconhece seu próprio risco econômico. Rebaixam o Império ao mesmo nível que rebaixaram o México que aparece no filme de Oliver Stone. Lá estão as mulheres mexicanas, prostituidas, que podem resgatar a virilidade perdida pelo personagem vivido por Tom Cruise, “paralítico”, impotente e veterano de guerra.
Uma mulher, representada no filme com o nome Maria Helena, protagoniza uma das melhores cenas, quando o faz descobrir que, apesar de sua paraplegia, há muito que sentir quando a sensibilidade e o desejo se cruzam em um encontro sexual. Para além de todas as repressões e impotências.
Estamos, hoje, está em um patamar bem diferente dos tempos vividos pelo personagem do filme. Relembro, eram tristemente , tempos de Vietnã, os famosos Anos 70 da economia de guerra para os EUA e dos Anos de Chumbo da Ditadura por aqui. Os soldados mutilados lá, os torturados por aqui… E o sexo aprisionado apenas nos bordéis para os que se tornavam marginalizados ou párias.
Hoje, em tempos de hiperexposição dos corpos, as formas de reprimir e disciplinar são bem mais sutis e não tão disciplinadoras, somos menos libertários. Caminhamos, como já disse, mais para a antipatia pelo Outro do que para uma empatia que nos preserve, em direitos iguais, com o direito à Diferença e à heterogeneidade. As pessoas com deficiência, por suas diferenças visíveis ou conotadas, além dos sentimentos eugenistas, ainda são sexualmente segregadas?
A existência de vida sexual para as pessoas com deficiência e seus direitos reprodutivos já são um tema que já abordei. Este filme integrou um projeto de levar os cegos ao cinema. Foi em 1998, no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), quando organizei, pelo DefNet, um Ciclo de Cinema e Pessoas com Deficiência, cujo nome já indicava nosso sonho: “Um Olhar para Além do Olhar”. A questão da sexualidade negada de pessoas com deficiência foi, à época, trazida pelo “Nascido em 4 de Julho”.
Resgatar esse filme, hoje, me trouxe para o que há de atual ainda em seu modelo denúncia e crítica. Atualmente as nossas guerras são mais sofisticadas tecnologicamente, e os veteranos já estão sendo projetados como futuros avatares. As suas cadeiras de rodas e seus corpos podem ser reciclados. Porém, me pergunto se perduraram os preconceitos quantos às suas sexualidades? Sim, devemos dizer retumbantemente.
Nossos tempos são de homofobias, xenofobias e “deficientefobias”. O que diriam os vereadores paulistanos, em recente reação ao Dia do Orgulho Gay, se soubessem que muitas pessoas com deficiência são gays? Na sua intolerância, disfarçada de “democracia”, iriam, demagogicamente, propor um projeto de lei “especial” para o Dia do Orgulho dos Heteros Deficientes?
Estes dias republiquei uma matéria de um vereador de Salvador que deseja ver os motéis de sua cidade acessíveis para as pessoas com deficiência. Veio em boa hora, um lembrete para que todas as cidades, seus políticos e cidadãos se lembrem da existência de uma considerável parte de suas populações: as pessoas com deficiência. E elas desejam, sentem, aspiram, respiram e fazem sexo. Assim também se amam ou não.
A proposta propõe a acessibilidade em motéis e hotéis da capital baiana, agora tramita na Câmara Municipal de Salvador. A proposta é de autoria do vereador Henrique Carballal (PT). Os estabelecimentos, hotéis e motéis, com mais de 20 leitos seriam obrigados a realizar adaptações para beneficiar pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida.
Enquanto a lei não os obriga, imaginemos uma nova cena para a sexualidade livre de pessoas com deficiência. Outro dia um amigo mineiro, que tem paralisia cerebral, me perguntou se não seria motivo de prisão o fato, não ocorrido, de que sua namorada o levasse a um motel. Tendo alguma dificuldade para explicar em palavras seus atos e desejos, como ficaria quando ele pedisse uma máquina de escrever, para explicar seu tesão e desejo pela namorada, que não é uma pessoa com deficiência?
Então, ele começaria a digitar, hipoteticamente, com o pé esquerdo, a seguinte mensagem: “Eu estou aqui por livre e espontânea vontade. Ela não me obrigou ou obrigará a fazer quaisquer dos atos libidinosos que nós dois estamos intensamente desejantes. EU TAMBÉM QUERO AMAR E SER AMADO, COM TODA INTENSIDADE QUE QUALQUER OUTRO SER HUMANO. E, caso ela fique grávida eu terei o maior prazer de me tornar pai e ajudar a cuidar de nosso filho. Apesar que isso não acontecerá, pois eu já aprendi a usar preservativos há muito tempo. Sei que pessoas com deficiência vivem também nos tempos da Aids. Portanto, caros senhores e senhoras, seres cinzentos da Censura e da falsa Moral, não há porque me manter em uma posição de dependência e total vulnerabilidade. Não continuem negando minha existência com direito às diferentes formas de sexualidade humana. Sou eu quem pediu para vir a este motel, aliás, inacessível.”
Somos, então, diferentes, não somos desiguais em direitos. Semelhantes? sempre seremos, em muitos desejos. Por isso, reafirmamos, não somos assexuados. Somos parte de uma diversidade humana que, em suas pluralidades e singularidades, também afirmam como o poeta: Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amar. A(s) sexualidade(s) não são deficientes nem deficitárias: são as expressões máximas da vida, quando são livres das amarras de nossos íntimos preconceitos ou temores.
O maior cuidado é quando nos tornam apenas objetos. É quando passamos a vítimas de violências, inclusive, e, principalmente, meninas e mulheres com deficiências.
O tema é vasto, profundo, polêmico e necessário. Não se esgotará neste texto. Apenas espero que muitos jovens com deficiência, sem distinção de suas orientações e escolhas sexuais, possam gozar dos mesmos direitos sexuais e reprodutivos de todos os outros jovens daqui, dali e de todo o mundo. Que todos os motéis possam descobrir esses novos e prazeirosos frequentadores e a acessbilidade deixe de ser apenas a remoção das barreiras físicas.
Jorge Márcio Pereira