O presente artigo versa sobre o discurso por trás do discurso. Trata da fala “opaca” que promove a exclusão sob a aparência de se estar promovendo a inclusão. Argumenta que se tem apropriado do discurso da inclusão para deliberadamente impedi-la. Registra que falas. Travestidas de boa intenção conduzem à perpetuação de tabus, preconceitos e discriminações contra grupos vulneráveis diversos. Aponta que a chamada educação especial não faculta a quebra desses preconceitos, pelo contrário, serve para promover a segregação social, retirando do convívio da sociedade, todos aqueles que “ela considera feio, repugnante de olhar, ou aceitar, falho, incompleto ou imperfeito. Por fim, deixa-nos pistas do que podemos fazer para mudarmos a nossa postura em prol de uma sociedade verdadeiramente para todos, onde nesse “todos” se encontrem as pessoas com deficiência e demais grupos socialmente vulneráveis, como os de diversas origens, étnicas, religiosas, geográficas ou lingüísticas que, portanto, não fazem parte do poder dominante.
Artigo
A linguagem humana é de tal importância em nossa vida, que nem nos damos conta de que todas as nossas ações se dão na e pela linguagem. Sabemos que todos os animais se comunicam de uma forma ou de outra e que só o ser humano utiliza-se da comunicação no seu mais alto grau de complexidade: a língua. É através dela que expressamos nossas idéias, sentimentos, e é por meio dela que nos organizamos e vivemos numa sociedade.
Está, pois, no ato da fala a manifestação do homem enquanto ser pensante, sujeito e objeto de suas ações e de outros de sua espécie.
Tal afirmação, que não é estranha para muitos teóricos e que é assumida por vários outros, com pequenas nuances de estilo e conteúdo, pode, na prática, ser observada no dia-a-dia. A língua de comunicação social de um grupo, portanto, exprime o que se quer dizer, mas não pára por aí. Ela denuncia também o que uma pessoa não quer dizer ou gostaria de omitir, mesmo que inconscientemente.
Sócio-culturalmente construídas, a discriminação, a segregação, enfim, a exclusão de membros da sociedade humana vêm historicamente se apresentando manifestas, não só nas ações de pessoas que assumem sua intencionalidade, mas também nas falas não ditas de profissionais que se pretendem defensores da diversidade, da “diferença”, da multiplicidade e de outros conceitos correlatos que, se de fato fossem assumidos e postos em prática nas atitudes diárias desses profissionais, viriam somar-se à tentativa de se minimizar a exclusão dos muitos grupos socialmente vulneráveis, reconhecidamente excluídos das relações sociais humanas mais básicas, por conta de sua religião, sua cultura, seu gênero, sua origem racial ou econômica etc.
Não se trata aqui de culpabilizar ou diminuir os esforços e a importância desses atores da sociedade, que são, por vezes ou em parte, bem sucedidos naquela tentativa, mas de desvelar que, mesmo sem quererem, perpetuam exclusões historicamente praticadas por atitudes milenares de preconceito e discriminação. Note-se que hoje, cada vez mais, os grupos em desvantagem ou vulneráveis vêm sendo ouvidos e atendidos em suas reivindicações e em seus direitos básicos, suprindo, paulatinamente suas necessidades mais específicas.
Não obstante, também esses operadores sociais não estão imunes de provocarem ou causarem ou apenas responderem “despreocupadamente” a situações hodiernas que reproduzem a exclusão da pessoa humana.
Por conseguinte, é mister cuidar para que essas pessoas não se tornem exemplos equivocadamente seguidos, quando, sem notarem, ou deliberadamente desviarem do propósito ótimo da inclusão, a participação de todas as pessoas no todo social humano. E essa preocupação é devida, também pelo fato de que essas pessoas estão, ou muitas vezes ocupam, lugares sociais, de onde são miradas como exemplos, mesmo quando não querem, mas que ainda assim, servem como tal e são seguidas.
Destarte, ao ocuparem esses espaços, dizem muito mais que suas palavras soam, uma vez que encerram, produzem e proclamam em suas ações, argumentos para o exercício da inclusão ou da própria exclusão, apropriados pelos demais agentes sociais de uma dada comunidade.
Tomemos alguns exemplos para que esse espectro se nos ponha mais palpável: na educação, um professor pode facultar ou dificultar mais ou menos o aprendizado de uma criança, caso sua fala (do professor, enquanto mediador do conhecimento) reflita preconceitos a respeito da capacidade do aluno, a sua frente.
Com efeito, a baixa expectativa de professores sobre a potencialidade de seus alunos tem se constituído fator preponderante para o baixo desempenho destes. Quase como conseqüência dessa baixa expectativa, pois, é que crianças advindas de classes sociais menos abastadas, de origem racial não branca, de minorias lingüísticas, com “deficiência intelectual, física, sensorial ou cerebral) etc., são vistas como sendo incapazes de serem bem sucedidas no desempenho escolar. E isso não tem certamente nada que ver com sua capacidade cognitiva, mental, de aprendizagem etc., mas em barreiras atitudinais para com elas. Mais ainda, isso se deve, entre outros fatores, os quais não exploraremos aqui, ao fato de que a crença, não dita, na incapacidade dessas crianças se mostra manifesta nas aulas e na fala dos docentes que deveriam, por questão óbvia de moral e ética, ser os primeiros a crer na capacidade de inteligência latente dessas crianças que são, por clareza solar, vencedoras, numa vida que parece colocá-las como perdedoras em um jogo iníquo, cujas regras não lhes foram permitidas elaborar, e contestá-las é quase impossível.
Quando, pois, um professor diz que “não dá para fazer um bom trabalho em uma sala de aula de uma escola de periferia, onde estão estudando crianças pobres, negras, sem dentes, revoltadas com a vida e violentas por natureza”, esse professor está facultando que esses predicativos se tornem realidade como em uma profecia de auto-realização.
Se é fato que as condições de trabalho em muitas escolas, se não na maioria das escolas públicas, são precárias, isso não deve servir como uma névoa que tapa uma realidade mais repugnante, a do preconceito e discriminação para com os muitos grupos vulneráveis, de onde vêm as crianças, jovens e adultos de que tratamos.
Fica também claro perceber o quanto a fala denuncia a exclusão e, mais ainda, a produz, quando se diz: “a inclusão é um tipo de exclusão”. Essa fala, que tem sido corrente, por parte de alguns que se apropriam do discurso da inclusão para contra esta trabalhar, demonstra, de um lado, que o emissor de tal fala não sabe do que está falando, já que a inclusão só existe porque se reconhece que no atual sistema em que vivemos, uma grande parcela da sociedade está excluída, alheia, ausente, deixada de lado dos benefícios sociais como educação, saúde, moradia, trabalho, lazer etc. Com efeito, tantas são os grupos em desvantagens e tanto foi o abandono social, político e econômico que sofreram que tais grupos se reuniram para exigir dos governos que atentassem/respondessem às suas necessidades. Logo, quando vemos uma ação sendo tomada por um governo, esta ação não vem de cima para baixo, mas vem sim, como uma tímida resposta à demanda desses muitos grupos vulneráveis.
Por outro lado, a apropriação do discurso da inclusão para se trabalhar contra ela fica evidente quando, por exemplo, a escola reconhece, na fala, o direito à educação para todos, mas, na prática, nega esse direito para o verdadeiro “todos”, quando recusa, dificulta, resiste à inclusão plena de todas as pessoas na escola, mormente quando denega criminosamente a matrícula de pessoas com deficiência, em particular as com limitação intelectual, doentes mentais ou pessoas com múltipla deficiência.
E fazem isso, negando-lhes o direito à cidadania e à dignidade de pessoa humana. Com efeito, “A dignidade conquista-se gritando: O rei vai nu!
O rei vai nu, a escola vai nua, porque se cobriu com a capa da escola para todos, mas só o é na rejeição.” Barbosa (2003)”.
Ao se alegar, por exemplo, que “um indivíduo surdo só pode aprender a língua de sinais (LIBRAS) se for em instituições para surdos, com seus colegas surdos e com professores especializados em surdos” ou que “a escola comum/regular não está preparada para atender esses alunos, pois seus professores não detêm os conhecimentos necessários para ensinar alunos surdos”, embute-se, numa fala não dita, a crença de que surdos são seres que aprendem, se é que aprendem, na visão dessas pessoas, de maneira tal e diferente, que é preciso confiá-los a instituições especializadas, para que possam ser treinados para um convívio social mais amplo. Crença essa, infundada e descabida, quando sabemos que as pessoas com limitação auditiva, parcial ou total, congênita ou adventícia, são dotadas de igual potencial de aprendizagem como quaisquer outras crianças, jovens e adultos, mesmo quando precisam de metodologia de ensino específica, como para aprender LIBRAS.
É cristalino que não é essa postura de segregação que se espera de uma sociedade capaz de se modificar para responder às necessidades de seus membros, uma sociedade realmente inclusiva. Nessa sociedade, o discurso óbvio seria o de reconhecer que as escolas brasileiras não estão preparadas pra educar com ótima qualidade a nenhum de seus membros, exceção feita aos vários exemplos, cujos promotores alcançam tal objetivo, a despeito das adversidades econômicas, culturais e teóricas, por que todos passamos.
Assim, deparamo-nos com um falso paradoxo: de um lado reconhecemos que no atual sistema educacional as condições de ensino/aprendizagem não são boas; de outro, queremos que pessoas, com as limitações descritas acima e outras, venham estudar na escola que temos. Novamente, estamos aqui perante uma fala que nada colabora para propiciar a inclusão de todos nesta sociedade que sabemos ser excludente e que queremos tanto mudar. Assumindo o discurso da segregação baseada no discurso do melhor para as pessoas com deficiência, fugimos do verdadeiro dilema, qual seja: como modificar esta escola, de maneira plena e irrestrita, para alcançarmos uma escola de qualidade, capaz de transformar-se para receber, entender, respeitar e atender às necessidades/peculiaridades de todos os seus alunos, independentemente de diferenças sociais, econômicas, de gênero, origem (geográfica, étnica, lingüística, religiosa etc.) ou de quaisquer outras diferenças de aparência (estética), de “descapacidade” (limitação sensorial, intelectual, cerebral e física) ou de orientação sexual etc.
Fica mais patente a tentativa de reservar a educação para uma parcela pseudo-homogênea e escolhida, quando se pretende que, mesmo dentro das minorias aceitas nas diversas instâncias sociais, entre elas a da educação, as pessoas devam apresentar alguns parâmetros de “inteligência”, em geral de cunho verbal-lingüístico ou lógico-matemático, sem os quais elas deveriam ser recolhidas em instituições especializadas ou especiais (que, como se tem mostrado, de especiais não têm nada e menos ainda de especializadas).
Basta perguntar quantas dessas instituições têm profissionais graduados e pós-graduados em seu quadro de empregados (não assinando laudos pré-formatados, mas efetivamente trabalhando/ensinando a população em tela). A essa questão a resposta é óbvia: hoje as instituições têm alguns, porém, historicamente, tais instituições têm sido formadas para a assistência de pessoas, cujas necessidades vão além de suas limitações sensoriais, físicas ou intelectuais, para a assistência de necessidades pecuniárias dessas pessoas.
Tanto é assim que muitas dessas instituições são de inspiração religioso-caritativa, e não educacional por excelência. Também é óbvio que reconhecemos que muitas dessas instituições têm buscado instruir tais pessoas, e muitas vezes alcançaram tal êxito. Provavelmente muito mais pelo esforço individual daquele estudante com deficiência que da instituição propriamente dita. Mas não nos esqueçamos que essas mesmas instituições têm servido para prolongar uma realidade deplorável, qual seja, a manutenção de pessoas na proscrição social, da família, do trabalho, do lazer dentre outros locus de convívio humano.
Exemplo disso é o de uma criança, residente no interior, que aos seis ou sete anos é retirada do seio familiar, para ir estudar numa instituição “especializada em deficiente”, na cidade grande, 300, 500 km de distância de sua cidade natal, pois, no modelo atual, é somente nessa cidade que ela vai encontrar um ensino especial.
Ora, se considerarmos que todas as crianças necessitam mais do afeto de suas famílias de que qualquer outra coisa, não há razão para crermos que uma criança que tenha alguma “deficiência” precise menos.. Portanto, é descabido querer um modelo educacional que vai impor a essa criança que, na possibilidade de educar-se, venha ficar sem sua família.
Se esse exemplo não é, por si só, suficiente para explicitar o discurso por trás da fala dos que defendem uma escola segregada, lembremos que, ao retirarmos da sociedade a pessoa com deficiência, estamos tirando dos olhos dessa sociedade parte daquilo que ela considera feio, repugnante de olhar, aceitar ou conviver, mas que nada mais é que as pessoas humanas com deficiência.
Sob esse modelo segregador da pessoa com deficiência, não é de se admirar que praticamente não haja, ainda nos dias de hoje, crianças e jovens com síndrome de Down, por exemplo, freqüentando os bancos escolares, os parques de diversão, as praças e outros locais de lazer (como se essas pessoas praticamente não existissem em nossa sociedade), quando as estatísticas demonstram que para cada 600 bebês nascidos vivos, um terá síndrome de Down. Logo, se essas pessoas existem (e elas existem) e não estão convivendo conosco, em nosso dia-a-dia, elas só podem estar “asiladas”, em parte devido ao discurso dos defensores de uma sociedade pseudo-protetora dos indivíduos com deficiência, mas que de fato apenas os excluem, visando uma “sociedade limpa, bonita, arrumadinha e perfeita”, enfim, uma sociedade de “normais”.
Nessa sociedade, irreal, graçam abertamente os defensores da educação em ambiente segregado, as escolas especiais. Em nossa sociedade real, esses defensores professam, na opacidade de seus discursos, falas como as que Certeza (2003) denuncia como sendo expressões de preconceito:
“(…) infelizmente ainda são preconceituosamente utilizadas expressões como: “vencer obstáculos é o lema dos deficientes”, “a maioria dos obesos supera barreiras todos dos dias”, “conquistar espaços com muita garra é o objetivo de todas as mulheres”, “ele é um ser especial e super eficiente”, “mesmo morando em um lugar tão precário, realiza algo fenomenal”, “em uma cadeira de rodas é um super-herói”, “deficientes mentais são um exemplo de vida”, “pôde ultrapassar limites mesmo sendo cego” e etc.
(…) “ajude, pois ele é um coitadinho”, “carentes precisam do seu apoio”, “quem é paraplégico é um incapaz”, “todo negro é fraco”, “a maioria dos idosos são dependentes”, “é pequeno, mas merece sua ajuda”, “cuide dos aleijados que não podem viver sozinhos”, “apesar de ele ser pobre, conseguiu realizar tal coisa”, “mesmo sem uma perna, trabalha”, entre outras.” (Certeza, 2003)
Nas palavras da autora, “generalizar, nivelar, taxar, pré-julgar, acreditar exclusivamente no senso comum, não conhecendo como realmente é o outro, só nos conduz à ignorância, ao preconceito, e à atitudes discriminatórias” (Certeza, 2003). Nas falas dos que afirmam que “a inclusão é um tipo de exclusão”, ora estampam-se ora escondem-se estereótipos, estigmas, preconceitos e tabus para com as pessoas com deficiência e demais grupos vulneráveis, posto que aqueles defensores não assumem, de fato, a coexistência desses grupos na diversidade humana.
As expressões preconceituosas, a que a autora se refere, estão, por vezes, explícitas no discurso do cidadão comum, leigo, porém, com freqüência, aparecem implícitas no discurso e na prática de médicos, professores, psicólogos, terapeutas, em geral, e dos próprios indivíduos com deficiência, os quais acabam refletindo o estigma e a baixa expectativa daqueles profissionais, acreditando que não são deficientes, mas sim incapazes.
Já confirmava tal assertiva, Buscaglia, no século passado quando dizia:
“…Médicos, pais, professores, amigos, parentes, todos, sem dúvida, bem intencionados, se encarregarão de convencer essas crianças, ou de ajudá-las a aprenderem, de que são incapazes. É muito difícil evitar tal atitude, pois nossos próprios medos, ignorância, apreensões e preconceitos surgirão sob milhares de formas distintas, a maioria delas inconscientes. Aparecerão disfarçados no jargão médico e pedagógico, em testes psicológicos, na proteção paterna, no excesso de preocupação da família, sempre vestidos com o manto do amor.
É imperativo, portanto, para aqueles que cuidam de indivíduos deficientes, estar sempre alerta, a fim de se assegurarem de que não estão colaborando com o processo de esses indivíduos se tornarem também incapazes”.
(Buscaglia, 1997)
A inclusão deve acontecer hoje, amanhã e daí em diante, mais do que no discurso, no próprio fazer social. Como se diz: “ninguém faz curso para ser mãe ou pai, nem se está realmente pronto para ter filhos”. Mas, assim que os têm, os pais passam a aprender a ser pais: “aprende-se, pois, a ser pai, sendo”. Da mesma forma, aprende a sociedade a ser inclusiva, sendo!
Como pudemos ver, há mais por trás das falas do que imaginam seus falantes, e estes são freqüentemente manipulados a responderem ou dizerem aquilo que se espera, numa clara manifestação de que o discurso “dito” traz consigo falas, por vezes de outros, não ditas. Tanto é assim que, por exemplo, ao se perguntar a uma pessoa, que estudou em instituição “especializada” em cegos, se a educação especial é um modelo adequado para se “ensinar os cegos”, é compreensível que ela responda afirmativamente, que esse é o modelo correto, porque as escolas comuns não estão preparadas para o ensino de cegos, já que os professores dessas escolas não sabem o Braille ou qualquer outra coisa sobre a educação de cegos.
Esse indivíduo pode, ainda, responder que acha que a inclusão “dá para ser feita, mas só para alguns portadores de deficiência, não para todos”, uma vez que também esse discurso é difundido nessas instituições.
O que esse indivíduo parece não perceber é que, tendo ele estudado numa escola especializada em cegos, sempre ouviu falar que seria lá e apenas lá que poderia estudar; que só seus professores sabiam ensiná-lo e que qualquer outra escola não estaria apta para educar pessoas cegas, o que não é verdade.
Entre outros malefícios, a apropriação dessa concepção, por parte de alunos cegos, tem levado muitos a acreditar que as pessoas com deficiência visual são incapazes de aprender se não for em instituições especializadas em cegos, em ambientes próprios para cegos, com seus colegas cegos e com professores “especialistas em cegos”. Crença que os leva a não dar continuidade a seus estudos (nas escolas comuns), já que a maioria, ou quase totalidade, das instituições para cegos, não oferece ensino médio, menos ainda superior.
Considerações Finais
Vê-se, pois, que a fala não dita a respeito da deficiência ou do indivíduo com deficiência pode ter efeito incapacitante, direto e/ou indireto, sobre aqueles que versa. Daí, a importância de se rever a prática educacional e o discurso dessa prática, valores e conceitos, idéias culturais etc, sob pena de não o fazendo, perpetuar uma situação de apartaid educacional, escancarado sob nossos olhos, ouvidos e mãos.
Assim, é mister que tomemos ações simples, porém resolutas, contra esse tipo de realidade que contempla apenas uns poucos, é mesquinha e cujas intenções não passam da manutenção de uma realidade iníqua, preconceituosa e discriminatória.
Exemplo dessas ações é a própria mudança de nossa atitude em prol da inclusão: nossa dúvida perante a capacidade de aprender das pessoas com deficiência tem de mudar para a certeza de que elas são dotadas de potenciais latentes e manifestos para o aprender pleno e irrestrito; nossa compreensão da pessoa humana tem de mudar para que possamos, nessa mudança, deixar claro em nosso discurso e prática que todos são capazes de força laboral e produtiva; nossa descrença sobre a capacidade de as pessoas com deficiência amar e procriar tem de mudar para a garantia do direito de elas fazerem amor, amar e ser amadas; por fim, nossa fala, enquanto profissionais da educação, da saúde, do trabalho, etc., tem de mudar para extirpar pela raiz a falsa crença que temos no “empowerment” das pessoas com limitação sensorial, mental, física, cerebral ou múltipla, uma vez que somos, por obrigação, promotores e mensageiros da plena dignidade dessas pessoas.
Agindo, na prática ou no discurso, consciente ou inconscientemente, contrários a esses preceitos, seremos eternos responsáveis pela evasão da condição de ser humano, digno e cidadão, de pessoas que não requerem nada mais que nosso reconhecimento e respeito a seus direitos básicos de seres humanos como nós mesmos.
Então, para que nossas falas ditas não sejam emissárias do estigma e preconceito historicamente produzidos contra as muitas pessoas em vulnerabilidade e desvantagem social, por vias não ditas, é imperioso que exercitemos a full inclusion, não como um conceito teórico dos livros e leis de papel, mas como uma prática diária, onde agir é respeitar o “ser” humano de cada um e de TODOS, nas suas idiossincrasias e nas suas características gerais de simplesmente cidadãos dignos e humanos.
Bibliografia
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WERNECK, C. Quem cabe no seu todos? Rio de Janeiro: WVA, 1999.
Autores
Francisco J. Lima é Professor adjunto da UFPE- Centro de Educação – limafj@usp.br
Rosângela A. Ferreira Lima é Professora adjunta da UFPE – Centro de Artes e Comunicação –raflim@ig.com.br
Therezinha M. J. M. Moura é especialista em Educação Especial pela UFPE, professora da ESCOLA ESPECIAL INSTITUTO DE CEGOS –