A imagem de modelos altas e magras não foi a única que circulou ontem pela passarela instalada na Praça do Patriarca, no centro de São Paulo. No primeiro dos cinco dias de desfiles, o Fashion Downtown abriu espaço para a participação de deficientes físicos e mentais.
“É uma bandeira para mostrar que a moda é de todos. A participação desses modelos é uma maneira de incentivar os lojistas a adequar seus estabelecimentos”, afirmou o organizador do evento, Tony Silveira. “Só em São Paulo há 1,5 milhão de deficientes que consumem e gostam de moda”, disse Silveira, “O evento mostra que as limitações não impedem os deficientes de exercer as mais variadas atividades”, afirmou o secretário municipal da Pessoa Com Deficiência, Marcos Belizário.
O Fashion Downtown foi organizado para divulgar os lojistas da região central de São Paulo, que apresentarão as coleções para outono-inverno.
Com roupas customizadas por pacientes e funcionários do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Itapeva, que também atuaram como modelos, a grife Dasdoida foi a primeira a desfilar. Descontraído, o grupo ocupou a passarela com o tema Fantasmas e a proposta de incentivar os espectadores a soltar suas próprias loucuras. “Quem fala que é normal é louco. Ser normal não está com nada”, disse Lygia Saad, de 38 an0s, paciente do Caps e modelo da Dasdoida.
Segundo a diretora do Caps Itapeva, Márcia Pompermayer, o desfile é uma forma de o paciente ter liberdade de assumir sua identidade sem preconceitos. “A ideia é que eles possam desfilar como são, vai muito além da melhora de autoestima. É um trabalho ainda pouco valorizado porque a loucura assusta.”
Criada há dois anos, a Dasdoida também produz acessórios e objetos de decoração. Os itens são confeccionados nas oficinas semanais do Caps – abertas aos interessados em moda e voluntariado. Os produtos serão vendidos na loja que a grife planeja abrir no centro, no dia 29. “Nossa marca é uma forma de defender a luta antimanicomial e torná-la política pública de inclusão”, diz Márcia.
Cadeirante. Entre as modelos que desfilaram para a loja Vista Vida e a marca Cavalera estava a cadeirante Caroline Marques, de 28 anos. Desde criança ela sonhava com a passarela, mas, ao sofrer um acidente de carro aos 9 anos, pensou em desistir. “Achei que o sonho tinha acabado. Até que uma amiga me indicou uma agência só de modelos deficientes”, contou Caroline, na profissão há três anos. “Toda vez que a gente desfila o pessoal fica surpreso, acha diferente. Aos poucos o preconceito está diminuindo, mas ainda há muito”, avaliou.
Após trabalhar em um centro de reabilitação, a empresária e fotógrafa Kica de Castro abriu em 2007 a agência onde trabalham Caroline e outros 73 modelos, atores e atrizes com todo tipo de deficiência física. “Ao ver modelos bonitos com limitações, o público se identifica porque são pessoas mais próximas da realidade”, avaliou Kica. “Mas o mercado ainda não vê os deficientes como consumidores, não pensa em lançar produtos, esquece que eles têm vida.”
A pesquisadora de Modelagem Ergonômica Fátima Grave, professora do Centro Universitário Belas Artes, concorda que falta atenção para esse público. “Não conheço nenhuma loja no Brasil com roupas adaptadas. Faltam profissionais especializados e ainda há muito preconceito.” Segundo ela, é possível fazer roupas adaptadas, com conforto e mobilidade.