Célio conta que, quando sofreu a amputação, achou que sua vida terminaria ali. Mas a ideia não durou muito. “Fiz uma lista de todas as meninas da vizinhança; escolhi a mais bonita e consegui conquistá-la. A partir daí, vi que a deficiência não seria problema”, relembra. Hoje, brinca que ele e a mulher se completam. “O que eu tenho, falta a ela; e ela tem o que me falta”, brinca.
A esposa de Célio, Nilza, conta que a gravidez foi outro desafio vencido. “Tive duas gestações consideradas de alto risco, mas, seguindo as ordens médicas, tudo deu certo: hoje temos dois filhos lindos.” Sobre a intimidade com o marido, ela garante que — tomados alguns cuidados — não há do que reclamar. “Apesar de terem de ficar atentos com relação a alguns pequenos detalhes, os cadeirantes podem ter uma vida plenamente ativa”, reitera.
Preconceito
A psicóloga do Núcleo de Estudos em Sexualidade da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Ana Cláudia Bortolozzi Maia fez de seu trabalho de pós-doutorado um estudo sobre a sexualidade de pessoas com deficiência – e ela reitera que a vida sexual dos deficientes não precisa ser menos plena. “Mas é difícil quebrar a barreira do preconceito, que, muitas vezes, é introduzido pelas próprias pessoas com deficiência, com base em mitos como o de que são assexuadas, infantis, infelizes ou incapazes de uma vida afetiva e sexual”, diz. Para Ana Cláudia, o grande desafio é se adaptar à nova realidade; a partir de então, nada impede que a pessoa com deficiência tenha uma vida sexual ativa. “Quando percebem que ser diferente não significa necessariamente ser pior nem os impede de viver a sexualidade, conseguem obter prazer”, completa.
A história de amor do casal Nilza e Célio já dura 30 anos: “O que eu tenho, falta a ela, e ela tem o que me falta”, brinca o marido |
A cadeirante Nilza concorda: para ela, a sociedade não enxerga que a pessoa com deficiência também tem desejos e necessidades. “No momento em que nos tornamos deficientes, para muitas pessoas a nossa sexualidade morre, e parece que a questão do gênero deixa de existir. Um bom exemplo disso são os banheiros públicos. Não há diferenciação para os homens e para as mulheres: é apenas um, como se todos fôssemos iguais”, reclama.
A secretária Michele Silva da Luz, 24 anos, também se orgulha de levar uma vida normal. “Já fui casada; hoje namoro. Meu ex-marido e meu namorado não têm deficiência”, conta. “As pessoas criam um preconceito, uma espécie de medo; quando vencemos isso e conseguimos mostrar que somos como qualquer um, as coisas se desenvolvem com mais naturalidade”, explica.
Para ela, o caminho para uma vida normal passa também pela orientação e pela sinceridade entre o casal. “No início, nos tratam como um objeto que pode ser quebrado; aí, cabe a nós explicarmos como a relação deve ser e que tipo de limitações temos, afinal, qualquer corpo tem limitações”, diz. “Meu namorado, por exemplo, disse que não sabia como deveria agir. Nessas horas, nada melhor que uma boa conversa. Vencida essa etapa, temos uma vida sexual como a de qualquer casal”, completa Michele.
A secretária Michele: “Quando vencemos o preconceito, as coisas se desenvolvem com naturalidade” |
O educador sexual Fabiano Puhlmann, que trabalha há 15 anos com terapia de pessoas com e sem deficiência, explica que os mesmos conceitos podem ser aplicados aos dois públicos. “Uma pessoa com esse tipo de limitação física enfrenta os mesmos problemas que qualquer pessoa. Quem nunca experimentou a falta de diálogo em família ou conflitos com relação à aparência e a questões relacionadas à timidez?”, aponta. “No entanto, algumas destas questões são potencializadas para estes públicos. A superproteção familiar, por exemplo, muitas vezes dificulta os relacionamentos”, explica.
Fabiano, que é autor do livro Revolução sexual sobre rodas, afirma que o tipo de deficiência física não é o que mais conta quando o assunto é relacionar-se: segundo ele, o mais importante é a capacidade que cada um tem de comunicar-se. “Pessoas com problemas relacionados à fala, por exemplo, têm muito mais dificuldade do que aquelas com problemas de locomoção. Por isso, em muitos casos, o que acaba ocorrendo é a formação de uma espécie de gueto, no qual a pessoa só se relaciona com quem tem um problema semelhante.”
A autonomia também é importante, uma vez que determina o nível de privacidade que cada um tem. “Aqueles que conseguem ir e vir sozinhos têm maiores chances de desenvolver amizades e namoros, já que há a possibilidade de ficarem a sós com quem quiserem. Já aqueles que têm de estar sempre com algum familiar por perto têm barreiras maiores para vencer”, conclui Fabiano.