A quadra é a mesma do basquete. A bola é a do vôlei. Mas o que eles jogam é rúgbi em cadeira de rodas. A modalidade, em um primeiro momento, parece ter pouco a ver com o tradicional e muitas vezes violento rúgbi, que pode ser resumido como um futebol americano em que os praticantes não usam proteções.
Partindo desse princípio, quem já viu um jogo de rúgbi pode até imaginar que, em sua versão adaptada, o contato é eliminado pelo fato de os praticantes estarem em cadeiras de rodas. O pensamento, entretanto, não é correto. Assim como no rúgbi tradicional, a rivalidade na categoria parolímpica é grande. Apesar de o choque entre os para-atletas não ser permitido — caso ocorra, pode resultar em penalidades — , o contato entre as cadeiras, com direito a muitas quedas durante a partida, ocorre frequentemente. E, por incrível que pareça, essas características não colocam medo naqueles que estão começando. Ao contrário, segundo os próprios paradesportistas, esse é o maior atrativo do esporte.
Apesar de o rúgbi em cadeira de rodas participar das Paraolimpíadas desde 1996, quando estreou em Atlanta, a modalidade adaptada demorou a surgir no país do futebol. E até hoje ainda conta com poucos praticantes. A primeira equipe brasileira, a Centro de Referência Guerreiros da Inclusão, apareceu no Rio de Janeiro, em 2005. No último campeonato brasileiro, que ocorreu no ano passado, em Paulínia (SP), somente cinco equipes disputaram o título.
Para mudar essa realidade, desde o ano passado a Associação Brasileira de Rúgbi em Cadeira de Rodas, entidade responsável por organizar a modalidade no país, busca difundir o esporte, incentivando a criação de equipes em diversas partes do Brasil. O objetivo, segundo o diretor técnico da entidade e ex-técnico da Seleção Brasileira, Carlos Sig Martins, é descobrir novos talentos que possam integrar a Seleção Brasileira. “O Brasil tem muitos bons para-atletas. Mas precisamos criar mais equipes para aumentar o universo para as escolhas”, afirmou.
Assim, no fim do ano passado, surgiram em Brasília o Águias, no Gama, e o Búfalos, em Ceilândia, encerrando o jejum brasiliense de times na modalidade. “De repente está escondido aqui um ótimo jogador”, destacou Sig.
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Brasileiro deverá ser jogado em Brasília
De acordo com o calendário da Associação Brasileira de Rúgbi em Cadeira de Rodas, o Campeonato Brasileiro da modalidade está programado para acontecer em abril, em Brasília. A expectativa dos organizadores é de que 10 equipes participem da competição.
Seguindo em frente
Indicado ao Oscar em 2005, o documentário Murderball – paixão e glória mostra a rivalidade entre jogadores de rúgbi em cadeira de rodas. O filme relata pessoas que, para superarem o problema, se apegam a um esporte que promete contato físico e uma boa dose de agressividade. Os personagens se abrem para as câmeras e revelam todos os detalhes de suas personalidades, dando mais que uma lição de vida e mostrando que é possível seguir em frente e ser especial depois de uma tragédia.
Atraso de três meses nos treinos das Águias
A equipe do Águias planejou o início dos treinos para cerca de três meses atrás. Porém, devido a uma reforma na quadra do Centro de Atenção Integral à Criança (Caic), do Gama, local onde as atividades seriam desenvolvidas, os planos tiveram de ser adiados. Com isso, somente na tarde da última sexta-feira foi que o time pôde ter o primeiro contato com o esporte.
O presidente da Associação dos Deficientes do Gama e Entorno (ADGE), Luís Maurício Alves dos Santos, aproveitou a passagem de Carlos Sig Martins pela capital e o convidou para dar a primeira aula ao Águias.
A maioria dos jogadores que compareceram à quadra do Caic já conhecia o rúgbi em cadeira de rodas por causa do filme Murderball – paixão e glória. Mas eles não sabiam as regras do jogo. Depois de uma breve explicação, os alunos se arriscaram em algumas jogadas. E garantem ter adorado.
Raphael Lucena, 26, foi o que mais se destacou. Demonstrando vontade de aprender e um excelente preparo físico, ele aprovou a experiência. “Eu estava empolgado. Estava até pensando em ir para o Rio fazer um treino com o pessoal de lá, mas acabou não dando. Como primeiro dia, gostei muito”, avaliou Raphael, operador de telemarketing que, em 2004, depois de pular em um rio e bater a cabeça, ficou tetraplégico.
Praticante de basquete há pouco mais de um ano, Raphael disse que o que mais chamou a atenção foi o fato de ser um esporte de muito contato. “O rúgbi tem essa coisa da pancada. Isso provoca uma adrenalina maior”, declarou o novato, que já sonha em um dia fazer parte da seleção. “Quem sabe não consigo?”
Influenciado pelo filme
Aos 33 anos, Francisco Roques Martins contou que se animou a ingressar no time de rúgbi do Gama depois que assistiu ao filme Murderball. “Depois que assisti ao filme, pensei: ‘É nesse esporte que a gente tem que detonar’.”
A professora de educação física Kátia Siqueira, que deve ser a treinadora do grupo do Gama, disse que primeiro os paraatletas passarão por uma adaptação para o uso da cadeira e receberão um treinamento para ficarem condicionados fisicamente. Só depois, iniciarão as atividades com a bola. Kátia espera que em três meses os jogadores estejam preparados para disputar campeonatos.
Os Búfalos têm pressa
O time da Ceilândia, de acordo com o presidente do Movimento Habitacional e Cidadania da Pessoa com Deficiência (Mohciped), José Afonso Costa, já com conta com 10 para-atletas, entre homens e mulheres. Apesar de os treinos ainda não terem começado e a equipe nem mesmo ter um treinador, Costa garante que todos estão muito animados para começar a nova modalidade.
“Tudo é novo para a gente. Os para-atletas ficam me cobrando a toda hora quando vamos começar. Eles estão ansiosos para conhecer e aprender o esporte. Alguns já têm experiência com o basquete, mas com o rúgbi nenhum tem”, contou o presidente do Mocihped, que aguarda otimista uma resposta do Ministério do Esporte sobre a liberação de uma verba, prevista pela Lei de Incentivo ao Esporte, para a aquisição de cadeiras de rodas próprias para a prática do rúgbi.
A grande sacada
De acordo com o Carlos Sig Martins, as adaptações no rúgbi foram feitas para facilitar a prática do esporte por cadeirantes e proporcionar aos tetraplégicos mais uma modalidade. Em geral, portadores dessa lesão praticavam a bocha, o tênis de mesa e, em alguns casos, o basquete. “A grande sacada do rúgbi foi facilitar o esporte. A bola oval, que é pesada e difícil de ser segurada, foi substituída pela de vôlei, que é leve e encontrada em qualquer lugar. A quadra de basquete também fica fácil de encontrar”, explicou Carlos Martins.
Por conta disso, praticar o rúgbi em cadeira de rodas tornou-se simples. O único instrumento particular da modalidade é a cadeira de rodas, desenhada especificamente para dar mais estabilidade à pessoa deficiente e protegê-la de lesões. Contudo, até mesmo aí é possível improvisar. Como no Brasil a cadeira de rodas específica ainda não é fabricada, muitas equipes, no início, utilizam as do basquete, que têm uma estrutura parecida e viabilizam a prática do jogo