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Estudantes simulam deficiências para viver o drama da falta de acessibilidade

Grupo passou uma hora no Setor Comercial Sul: obstáculos nas calçadas e falta de solidariedade de pedestres - (Cadu Gomes/CB/D.A Press  )Moradora de um orfanato em Planaltina de Goiás, Valdirene Rodrigues, 13 anos, sentiu de perto o problema das pessoas com dificuldade de locomoção que precisam trafegar pelo Setor Comercial Sul (SCS), na tarde de ontem. A jovem e outros sete estudantes sem nenhuma deficiência aceitaram o desafio de simular a realidade de portadores de necessidades especiais e idosos afetados pela falta de acessibilidade.

Cerca de 240 mil pessoas em todo o Distrito Federal têm algum tipo de limitação física ou mental, de acordo com a Secretaria de Justiça e Cidadania. Nesse universo, há 177 mil com mais de 60 anos. Valdirene levou a experiência de imitar o cotidiano desta parcela da população a sério. Vestiu cachecol, saia comprida, tingiu temporariamente os cabelos de branco e adotou a aparência de uma senhora com problemas nas costas.

A menina andou curvada, por mais de uma hora, com auxílio de uma bengala para comprovar o que muita gente já imaginava: os obstáculos não são poucos. Valdirene e os outros jovens são estudantes do Comitê para a Democratização da Informática (CDI)(1), um centro de ensino gratuito para capacitar monitores que atuam em entidades filantrópicas.

O CDI tem como foco as ações sociais e oferece aulas de cidadania. A manifestação de solidariedade de ontem era um exercício desta disciplina. “Entrei no CDI para aprender e passar o conhecimento para frente. Vou ensinar o pessoal do orfanato a tratar melhor os deficientes e a se movimentar para pedir mudanças nas ruas”, explicou Valdirene.

Dificuldades
Fernanda Martins, 16 anos, encarou, durante uma hora, as complicações de tentar subir rampas mal construídas e passar por calçadas detonadas sentada em uma cadeira de rodas. “Levei 20 minutos para subir alguns degraus. Isso porque tive ajuda de um amigo. Imagina quem tem de fazer sozinho?”, questionou. “A sensação de dependência, de pedir ajuda toda hora não é boa. Mesmo quando tive auxílio senti muito medo de cair. Quase chorei e ainda machuquei meu joelho. As passagens são estreitas demais”, comentou.

Abrir mão da visão não foi fácil para Ana Maria da Conceição, 15 anos. Óculos de lentes pretas bloquearam este sentido de Ana nos 60 minutos de desafio. Apenas uma vareta ajudava na caminhada. “Os cegos sofrem demais. Não tinha a mínima ideia de que esse problema de acessibilidade era tão grave. Aprendi que o ser humano precisa dar mais valor em quem tem deficiência e ajudar sempre”, disse Ana.

Resistência
Professores da instituição acompanharam os aprendizes. O grupo recolheu 150 assinaturas de pessoas favoráveis a mudanças nas áreas de uso comum do SCS. O documento será levado à administração do setor. “Nosso objetivo é formar agentes de transformação. Após sentir na pele como é complicado viver assim, eles devem levar um pouco mais de respeito à comunidade onde vivem”, observou a coordenadora de projetos sociais do CDI, Andrea Portugal.

Além dos obstáculos, os estudantes e professores encontraram resistência de algumas pessoas sobre a importância de ter espaços adaptados para a circulação de todos. “Nem todo mundo respeita. Tem gente que até zomba. Andei de muleta com uma perna amarrada o dia todo, meus braços estão doendo. Ninguém ofereceu ajuda”, desafabou Luzia dos Santos, 14 anos.

Muita gente também se recusou a contribuir com a manifestação pacífica. “Disseram que não acreditam em abaixo-assinado, porque não adianta nada. O povo anda descrente com qualquer mudança positiva”, constatou Leonardo Vieira, 18 anos, um dos alunos. “Tem a ver com o momento político. Tudo é desviado e nenhum dinheiro é usado para o bem”, acrescentou Andrea, se referindo ao atual escândalo de suposto esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal.

Assistência
O CDI existe há 15 anos. A história da escola começou no Rio de Janeiro. A entidade está há uma década no DF e recebe verba de programas de responsabilidade social de empresas privadas. O dinheiro é usado na capacitação de jovens carentes. A instituição vive também de doação de computadores. São 38 centros de atividades no DF. Há unidades fora do Brasil, em Londres e na Jordânia, por exemplo.

 

O número
240 mil
Número estimado de portadores de necessidades especiais no DF

No Gama, postes ficam na calçada

Daniel Brito

Obra de iluminação pública impede o tráfego de cadeirantes no passeio  - (Bruno Peres/CB/D.A Press)
Obra de iluminação pública impede o tráfego de cadeirantes no passeio

Calçada dos tocos. Só pelo apelido dá para imaginar que o caminho dos pedestres na pista que margeia a Quadra 22 do Setor Leste do Gama não foi feito para deficientes físicos. Toda vez que há reformas no piso ou poda de árvores, a área nunca fica completamente livre para os cadeirantes. Agora, o passeio está impraticável.

A Companhia Energética de Brasília (CEB) instalou oito postes de iluminação nos 300m da calçada e não há mais o espaço regulamentar exigido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que é de 1,50m para cadeira de rodas. Na calçada dos tocos, a distância é de aproximadamente 60cm. Ainda há as marcas da obra malfeita há duas semanas, com buracos, paralelepípedos soltos, muito barro e até partes dos tubos de condução de energia. A calçada fica numa das regiões mais movimentadas do Gama, em frente à praça do Rotary Club, ao comércio instalado no prédio do antigo Cine Itapuã e vai até a Paróquia São Sebastião, a mais frequentada da cidade.

Portador de distrofia muscular congênita, o estudante Francisco Chagas desistiu de usar a calçada. “Entro na pista. Disputo espaço com os carros”, disse. “Outro dia, um ônibus quase me atropelou. Tive que me jogar da cadeira”, relatou o cadeirante Rafael Lucena, 26.

A Administração Regional do Gama alegou que o problema é da CEB. Essa, por sua vez, não confirmou se o local no qual os postes foram instalados foi apontado por técnicos da companhia ou da administração. “Vamos ao local observar e, se for o caso, retiraremos os postes”, prometeu Delmar Caixeta, superintendente da CEB.

O que diz a lei
A Lei Federal nº 10.098, de dezembro de 2000, estabelece normas e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. De acordo com a lei, o planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público devem ser construídos de forma a torná-los acessíveis a todos. O artigo 5º exige que ruas, passagens de pedestres, percursos de entrada e de saída de veículos, escadas e rampas observem os parâmetros das normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas para trazer acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Além disso, parques de diversões públicos e privados devem adaptar no mínimo 5% dos brinquedos e equipamentos e identificá-los para possibilitar sua utilização por qualquer pessoa.

Participe
O CDI abre vagas para o curso gratuito em fevereiro. Inscrições pelo telefone: 3322-7233.

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