Enquanto a BM&FBovespa defende a bandeira da responsabilidade social e governança corporativa para as companhias abertas, na prática, não é bem assim que funciona. A própria companhia não segue os preceitos da inclusão social. A Bolsa conta com 1.040 funcionários, destes menos de 5% são portadores de deficiência física, ou seja, 34 pessoas ao invés de 52, conforme seria se seguisse o exigido por lei. Segundo as leis que tratam da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, as empresas com mais de 1.000 empregados, precisam devem ter, no mínimo, 5% de pessoas portadoras de deficiência física, auditiva, visual ou mental. O objetivo da lei é a inclusão destes no mercado de trabalho, portanto, pessoas anãs também podem ser contratadas (Lei nº 7.853, de 1989, e o artigo 93 da Lei nº 8.213, de 1991, e o Decreto nº 3.298, de 1999 e Decreto nº 5.296, de 2004).
Procurada pelo Monitor Mercantil, a BM&FBovespa não justificou o motivo do não cumprimento da lei. Mas o descasamento pode estar relacionado ao plano de redução de despesas realizado pela bolsa após a fusão entre a BM&F e a Bovespa. No corte de custos, o número de funcionários reduziu consideravelmente. De acordo com o que foi apresentado pelos executivos da empresa durante a apresentação de resultados no início do ano, entre maio do ano passado e março de 2009, foram desligadas 533 pessoas, 314 funcionários e 219 terceirizados, 29,2% do quadro funcional. A redução de gastos com pessoal foi de 9% em relação ao mesmo período de 2007.
A informação do desenquadramento da Bolsa surpreende o mercado, que cada vez mais olha para a necessidade das práticas de responsabilidade das companhias abertas. A BM&FBovespa anunciou no início deste mês que vai até o dia 25 a consulta pública eletrônica para a elaboração do questionário final que avaliará as companhias interessadas em integrar a quinta carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). Elaborado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), o questionário é o primeiro passo do processo de seleção das ações das empresas que pretendem integrar o índice a partir de 1º/12.
A formulação do ISE tem como base o conceito internacional triple botton line (TBL) que avalia, de forma integrada, as dimensões econômico-financeiras, sociais e ambientais das empresas acrescidas, no caso brasileiro, de governança corporativa, geral e natureza do produto. A própria BM&FBovespa não participa do ISE. “A Bolsa precisa dar o exemplo do ponto de vista da sustentabilidade. Por que não as empresas que pertencem ao Novo Mercado passem a serem obrigadas a responder o questionário do ISE? É preciso ir além. A governança corporativa deve ser vista de forma unificada com a responsabilidade social. Não importa quem veio primeiro”, ressalta Roberto Gonzalez, especialista em responsabilidade social da The Media Group.
Para Gonzalez, é preciso repensar o modelo do ISE de forma mais crítica, com perguntas menos acadêmicas e mais práticas. “Há a necessidade de pensar pró-mercado e não de forma acadêmica”, afirma. Em sua opinião, é preciso dar explicações do ponto de vista da sustentabilidade e responsabilidade social aos acionistas. “O tempo vai mostrar que a sustentabilidade é questão estratégica”, ressalta.
Resistência
As empresas têm resistido ao cumprimento das normas de inclusão de deficientes com base no argumento de que o nível educacional da maioria desses profissionais é baixo e conseqüentemente, temem perder competitividade. A dificuldade realmente existe. Dos portadores de deficiência, cerca de 80% estudou até a quarta-série.
Gonzalez lembra exemplos, como a Serasa, que foi além e contratou o número de deficientes além da cota estipulada por lei. Ao mesmo tempo, ele reconhece a dificuldade da qualificação profissional. “A qualificação deve ser vista como uma estratégia para que as companhias. As próprias empresas podem criar formas de qualificar os deficientes de forma a terem mão-de-obra. O Senai nasceu assim”, ressalta. Segundo a advogada especialista em causas trabalhistas e previdenciária, Zípora do Nascimento Silva, a questão de inclusão social precisa ser mais divulgada, de forma a reduzir o preconceito das companhias. “É preciso trabalhar no sentido de mudar a visão de quem contrata e também fazer com que os próprios deficientes tomem conhecimento da lei”, defende.
Ela acredita que, apesar da falta de qualificação de muitos, sempre existe espaço para que haja a contratação. No entanto, Zípora lembra que, na maioria dos casos, parte da mão-de-obra não relacionada à atividade fim da empresa é terceirizada e as companhias que fazem o serviço também não contratam deficientes.
A multa pelo não cumprimento da legislação varia de R$ 1.101,75 a R$ 110.174,67. Mas, Zípora explica que o objetivo do Ministério do Trabalho não é punir as companhias, mas mudar a visão das empresas, reduzindo as desigualdades sociais com a inclusão. “Muitas vezes, a pessoa com deficiência mostra um trabalho muito mais eficaz, acaba se dedicando mais ao trabalho e surpreende o empregador”, diz. A admissão destes profissionais deve avaliar as deficiências que melhor se adéquam às atividades da empresa, ao cargo que será ocupado e, principalmente, ao complexo organizacional como um todo.