PARÁ

Acordo pode suprir carência de livros em Braille para estudantes com deficiência visual

Maria Lúcia Kerr Cavalcante de Queiroz integra a diretoria da Editora do Brasil e da Abrelivros. Parte de seus esforços no mercado editorial é aumentar e melhorar o acesso dos deficientes visuais aos livros. Maria Lúcia é a pessoa que representa a Abrelivros no convênio entre a associação e a Fundação Dorina Nowill, entidade que há mais de seis décadas se dedica à inclusão social das pessoas com deficiência visual por meio da educação e cultura. A parceria prevê o investimento de mais de R$ 1 milhão das editoras associadas à Abrelivros na capacitação de profissionais e possível adaptação de 500 títulos escolares até o final de 2011.

O acordo poderá suprir a carência de centenas de estudantes deficientes visuais que hoje não têm acesso a livros didáticos adaptados em Braille no Ensino Básico. Em entrevista, Maria Lúcia explica a origem e objetivos do convênio e aponta os rumos da inclusão de deficientes visuais no mundo da leitura.

Abrelivros: Como surgiu o convênio da Abrelivros com a Fundação Dorina?

 

Maria Lúcia Kerr Cavalcante (MLKC) – O convênio entre as entidades foi feito para atender um déficit muito grande na área editorial de livros didáticos em Braille, que é muito especifica e requer longo treinamento e experiência prévia de profissionais em algumas etapas da produção. Poucos sabem que a adaptação de um livro escolar mobiliza uma equipe altamente qualificada e numerosa. São estagiários, assistentes, dois editores (júnior e sênior), um controlador de página, dois revisores (um deficiente visual e um “vidente”, isto é, uma pessoa capaz de enxergar) e um especialista em editoração Braille. Os editores associados à Abrelivros, cientes da falta de profissionais para esse tipo de trabalho, e sensibilizados com as dificuldades de acesso dos deficientes aos materiais educativos, resolveram apoiar a Fundação Dorina Nowill. O Projeto de Capacitação, desenvolvido pela Fundação e financiado pelas editoras ligadas à Abrelivros, teve início em 2007 com a meta de atender à demanda do Ministério da Educação por esse tipo de material. Até 2008, o governo federal transcrevia e adaptava os cinco títulos didáticos mais escolhidos pelos professores das escolas públicas de ensino básico em cada disciplina. O acordo vem reforçar a capacidade de transcrição para atingir 500 títulos/ano em 2011.

 

Abrelivros: Como foi determinado o número de títulos a serem transcritos e adaptados nesse projeto?

 

MLKC – A meta do convênio entre Dorina e Abrelivros foi determinada com base no número de títulos aprovados para cada programa do governo. Seria uma média de 500 livros.

 

Abrelivros: Como é destinada a verba de financiamento?

 

MLKC – O valor total do financiamento é dividido em valores iguais nos cinco anos do projeto, sendo destinado a gastos com salários, materiais de consumo e suporte, curso de capacitação de revisores Braille e administração. Devido aos pré-requisitos para preencher algumas vagas, a procura não é grande. Tanto é que no primeiro ano (2007), houve um gasto menor que o esperado.

 

Abrelivros: Quais os principais desafios encontrados na produção de livros escolares adaptados em Braille?

 

MLKC – O maior desafio é encontrar os profissionais adequados para o trabalho. Existe uma deficiência muito grande na quantidade de profissionais com essa capacitação. O editor júnior, por exemplo, precisa ter formação superior na área de Artes, Biologia, Exatas ou Humanas; conhecimento avançado do Sistema e da Simbologia Braille na disciplina em que é especializado, e experiência mínima de 12 meses como assistente editorial. Para um dos cargos de revisor é necessário que a pessoa tenha todos os pré-requisitos e seja deficiente visual, o que dificulta mais ainda a busca. O editor não precisa ser deficiente visual, mas o revisor sim. As exigências devem-se à necessidade de alta qualificação para a adaptação de obras escolares, que é mais complexa que a transcrição de outros tipos de livros, pois inclui atividades como a reprodução de mapas táteis, ilustrações explicativas (fórmulas de matemática, química etc.) e outras indicações destinadas à acessibilidade da pessoa cega.

 

Abrelivros: As ilustrações em Braille recebem tratamento especial nesse processo de adaptação? Como são feitas?

 

MLKC – Os livros de texto corrido requerem um processo simples de transcrição. Mas no livro didático é necessário dar atenção especial às figuras, como os mapas, por exemplo. Elas são feitas em relevo, com perfurações sobre os traços, para que as pessoas que não enxergam consigam identificar as imagens com o tato. Além de ter uma figura, que em si já é complexa de transcrever devido ao grande detalhamento, é necessária a criação de um conteúdo explicativo para essa imagem, que não existe no livro. Não adianta apenas tornar acessível a imagem do mapa, é preciso explicá-lo ao aluno. Nas primeiras transcrições de livros didáticos para o Braille, era comum encontrar uma observação próxima ao mapa para que o aluno procurasse o auxílio do professor. A Fundação Dorina, entretanto, considera importante que o livro seja o mais completo possível em sua adaptação. Um livro adaptado é diferente de um transcrito, pois se adequa à realidade do deficiente visual e não se limita aos conteúdos produzidos para os “videntes”, isto é, pessoas que não são cegas.

 

Abrelivros: Os livros escolares são adaptados somente ao Braille?

 

MLKC – Não. Até 2007, os livros didáticos encomendados pelo governo eram produzidos em Braille ou eram falados. Nos livros falados, uma pessoa lê o conteúdo e descreve as imagens. Mas quando nos referimos aos didáticos, há sérias limitações em apenas descrever uma imagem. O entendimento é prejudicado. Então, em 2008 o governo solicitou também livros mistos, textos falados com anexos em Braille, para que houvesse justamente maior compreensão das figuras, imagens, mapas. A maior restrição do livro em Braille é o seu tamanho, pois eles são muito volumosos. Para outros tipos de livros existem alternativas ao Braille, como os digitais acessíveis, que permitem acesso a textos por meio de softwares que realizam leitura de telas no computador. Eles servem não só para os cegos, mas também para idosos com dificuldade de leitura e pessoas com baixa visão. No entanto, para uma criança é fundamental o acesso a livros em Braille. Assim como uma criança sem deficiência deve ser alfabetizada, é essencial que uma criança cega aprenda o Braille. Passada a fase de formação, é importante que a leitura seja mais rápida e prática, e já existem várias tecnologias e formatos que cumprem esse papel.

 

Abrelivros: Quais são os outros formatos para livros acessíveis ao público com deficiência visual?

 

MLKC – Além do Braille existe o livro falado e o digital acessível. Os falados podem usar voz humana ou sintetizada. Embora o processo com voz humana seja mais lento, para o uso da voz sintetizada é necessário editar primeiramente o texto para corrigir termos em língua estrangeira, abreviaturas, símbolos, entre outros. Os livros digitais acessíveis podem estar no formato LIDA ou no formato DAISY. A Fundação tem todas essas opções e está sempre buscando otimizar os processos e melhorá-los para que fiquem mais rápidos e baratos.

 

Abrelivros: Quais os rumos da discussão sobre acessibilidade no Brasil?

 

MLKC – A questão da acessibilidade é um assunto que está cada vez mais preocupando o governo, a iniciativa privada e as ONGs, justamente porque de alguns anos para cá, o governo decretou que os deficientes deveriam estudar em salas de aula regulares. De repente, os professores começaram a encarar salas com 30 alunos regulares e dois deficientes, por exemplo. Nessa realidade é preciso que esses profissionais estejam preparados e tenham o apoio de material didático adequado. Há alguns anos, o governo quis passar a responsabilidade da produção de livros em Braille para as editoras. Entretanto, para elas, essa medida não é viável devido ao alto custo e à demanda relativamente pequena se comparada à capacidade de produção regular. Um livro de texto leva em média três dias para ser transcrito, mas se é um livro com adaptações, o tempo aumenta dependendo do grau de dificuldade. A Abrelivros fez as contas em vários encontros com o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura, e mostrou a inviabilidade da produção. Houve constatação mútua entre editoras e governo e, como colaboração, a Abrelivros realizou esse convênio com a Fundação Dorina Nowill.

 

Abrelivros: E quanto à Lei do Livro? Como avançar nessa discussão?

 

MLKC – Nessa lei, a acessibilidade é a questão mais polêmica. A regulamentação da produção de livros em formatos universais não está resolvida na Lei do Livro (Lei Federal 10.753/03), pois há muito a ser esclarecido sobre sua aplicação concreta. De um lado, há os deficientes que reivindicam seus direitos. Do outro lado, há a realidade das editoras que não têm como viabilizar esses conteúdos da forma como é proposto. A discussão é longa e é preciso que resulte em uma lei que seja próxima da realidade e tenha condições de ser cumprida. A questão da acessibilidade evoluiu muito de dez anos para cá, incluindo o acesso à informação. A tendência é que o cenário continue melhorando, mas para isso, é preciso empenho de todos para que os deficientes visuais sejam cada vez mais independentes.

 


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