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Quando não se ouve a Eucaristia

A Quinta-feira Santa é o dia em que a Igreja celebra a instituição da Eucaristia. Dia em que Jesus partilhou a última ceia com os seus apóstolos. Dia do serviço expresso por Jesus no lava-pés.

É com o mesmo espírito de serviço que oito religiosas se dedicam ao acolhimento e ajuda ao desenvolvimento de 50 crianças surdas-mudas. Problemas cognitivos, surdez, autismo e deficiência são problemas que estas crianças conhecem no seu dia-a-dia, mas que não as tornam menos felizes.

No dia da instituição da Eucaristia, a Agência ECCLESIA foi perceber como vivem estas crianças e jovens do Instituto de Surdos-mudos das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição o sacramento da eucaristia.

Não é o silêncio e o recolhimento que ditam o ambiente nesta celebração eucarística. As manifestações de fé, de alegria pela participação na eucaristia, pela plena participação no meio de tantos outros é expressa em linguagem própria por quem não tem a comunicação verbal como o seu maior dom.

A Irmã Ana Rosa do Espírito Santo, directora do Instituto, está no altar a cantar e a acompanhar com linguagem gestual, tudo o que o Pe. Manuel Pinho diz. A assembleia imita e vai acompanhado os gestos e a intenção com que são expressos.

Os cânticos são acompanhados ora com gestos ora com palmas. O sacerdote fala pausadamente para que as crianças que sabem, possam ler os lábios.

O sacerdote lê no Evangeliário a leitura, acompanhada por desenhos. Durante a homilia mostra-o aos participantes. Não será novo, pois previamente as religiosas preparam a leitura com as crianças e os jovens.

As crianças mais novas estão distraídas. O cenário será sempre novo e uma porta aberta é suficiente para chamar a atenção e correr atrás da imaginação. Os mais velhos e mais atentos aos lábios do Pe. Manuel e aos gestos da Irmã Ana Rosa, durante a consagração, ajoelham e rezam. Há mesmo quem feche os olhos e deixe o espírito fazer o resto.

Adequar a linguagem

Há mais de 12 anos que o Pe. Manuel Pinhal, dos Salesianos, se desloca ao Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição para celebrar eucaristia junto das crianças. Cerca de 50 crianças são ali acompanhadas pelas religiosas e empregados, num total de 18 profissionais ao serviço da educação e desenvolvimento das crianças e jovens entre os 3 e os 18 anos.

Foram muitas a crianças que o sacerdote acompanhou e já ali não se encontram. Muitas acompanhou e ajudou a desenvolver. É nas confissões que o sacerdote percebe o maior desenvolvimento. Antes da celebração da eucaristia, os que estão preparados, celebram o sacramento da reconciliação. “Levam os seus pecados escritos e eu peço que leiam à minha frente. Depois, rezamos o acto de contrição e falamos um pouco”, explica o Pe. Manuel à Agência ECCLESIA. As crianças autistas também recebem a absolvição, mas em conjunto.

A eucaristia é adequada às necessidades dos participantes e decorre de forma simples. “Pedimos perdão, rezamos, fazemos a leitura do evangelho depois uma pequena explicação”. O celebrante fala devagar, “numa linguagem simples, abrimos muito a boca para a expressão ser mais evidente e para que percebam, mais do que os gestos, as próprias palavras”.

Do altar, o Pe. Manuel Pinhal identifica bem as reacções dos participantes e logo percebe se estão com atenção ou não. “Alguns, inevitavelmente, são mais irrequietos, mas os mais velhos vão entendendo alguma coisa”, adianta. Mas é com atenção que os olhinhos dos mais irrequietos se viram para o Evangeliário que o celebrante mostra para explicar a leitura. “As irmãs preparam previamente as leituras com as crianças”. Torna-se desta forma mais fácil para o sacerdote “usando o desenho, transmitir uma mensagem de forma simples”.

A Irmã Ana Rosa explica que todos os anos se baptizam e se faz a primeira comunhão a algumas crianças. A participação na eucaristia é para elas uma alegria. Algumas, por indicação dos pais que não são católicos, não podem participar, com muita pena dos pequenos.

Segundo a directora do Instituto as crianças têm um sentido do sobrenatural e à sua maneira manifestam-se. Todas as semanas as crianças têm catequese e antes da eucaristia, recebem uma preparação prévia. “Os que têm capacidade para estar na catequese e na eucaristia, comungam e usam os sacramentos”, explica a Ir. Ana Rosa.

Estimular os pequenos sinais

Em cada sala de aula existe o cantinho de oração. Por maior ou menor entendimento, “é uma amigo que elas ali vêem”, explica Cármen Perdigão, educadora de infância responsável pelas crianças entre os 4 e os 8 anos. “Muitas mandam beijos. Não é uma oração mas lidam tal com o lidam com um amigo presencial a quem dão um beijo ou fazem uma festa. A relação de cada criança com o espiritual depende da sua idade”.

O Instituto recebe crianças de outras religiões. “Nunca houve distinção. Respeita-se e os pais têm total liberdade para indicar quais as actividades onde não querem que os filhos participem”, explica a educadora, havendo inclusivamente adaptações na alimentação das crianças. Sendo uma instituição católica há abertura a outras religiões. “Será um dos melhores exemplos de convivência”, adianta.

Há 13 anos a trabalhar nesta área da educação, Cármen Perdigão afirma que, tal como todas as crianças têm necessidades especiais, estas não são diferentes. “Os problemas existentes implicam uma adaptação da nossa postura, das opções, quer em termos de comunicação, como também de conteúdos, para o que trabalharmos com elas se revele mais útil e funcional tanto para elas como para as suas famílias”.

A abordagem realizada com a criança quer-se “envolvente, ou seja, marcada por diferentes experiências e materiais”. Quanto maior o estímulo e as experiências pelas quais as crianças passam, melhor será a sua aprendizagem. Há, no entanto, que ter o cuidado e seleccionar quer os materiais a apresentar, como também as formas de comunicação. A área comunicacional é “rica em estratégias, necessidades e competências”.

Algumas crianças comunicam com língua gestual, outras com uma “versão simplificada de linguagem gestual, outros ainda através de imagens”, explica Cármen Perdigão. O fundamental, é conhecer primeiro as crianças e as suas capacidades e limitações e a “melhor forma da criança se expressar”.

Os sentidos são uma forma de enriquecimento. A música, por exemplo, nas crianças surdas, “é muito importante porque conseguem sentir vibrações”. A música tem um ritmo próprio tal como a fala. “Enriquecer as crianças com experiências rítmicas vai ajudá-las a construírem um padrão comunicacional, mais rico e correcto”, afirma a educadora.

As cores objectos são também um instrumento de trabalho. “O uso das cores depende das crianças. Algumas preferem cores mais neutras, outras mais garridas. As cores mais garridas podem também funcionar como excitantes”. O próprio material dos objectos, a sua rigidez, a textura, o tamanho, são factores que concorrem para o estímulo. O importante é “proporcionar o máximo de contacto com ao materiais possível e perceber se a criança se relaciona de forma adequada ao material e como reage. Quando pensamos que a criança está a reagir à cor, poderá ser apenas um pormenor que a chama à atenção”. Daí a importância da proximidade e acompanhamento.

Medir as respostas exige sempre atenção. “Atenção à forma como a criança explora o material, se o manipula dentro da função que foi concebida, se explora de forma criativa ou bizarra, há que tentar ensinar alternativas”, adianta a educadora.

As respostas são lentas, mas existem. “Notam-se diferenças”, assegura a Irmã Ana Rosa. “As respostas que recebemos estão sempre ligadas aos estímulos que as crianças recebem e também à amizade que sentem pelas pessoas com quem se relacionam”.

Cármen Perdigão assume que o relacionamento é uma das bases fundamentais no projecto educativo dentro da sala de aula. As crianças com problemáticas dentro do espectro do autismo têm mais dificuldades de relacionamento, no entanto, “tentamos que estabelecem um relacionamento com um amigo, pelo menos. Outros não mostram dificuldades. Formam um grupo, escolhem amigos para brincar, e isso é muito importante”.

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