Dono de um sorriso contagiante, Carlos Alberto Lopes, 24, guarda a infância numa caixinha, aberta, poucas vezes, somente para recordar boas lembranças. Com tendência a engordar desde criança, foi aos 17 que chegou a pesar 130 kg por conta de remédios para amenizar uma crise asmática. E, por isso, os apelidos relacionados à gordura o perseguiram nas escolas por onde passou. Pesadelo inesquecível! ´Quando estava na 4ª série, a professora me chamou para apagar a lousa e toda a sala começou a gritar um apelido – que não consigo repetir. Não agüentei! Disse a minha mãe que não voltaria mais´, conta.
O ano acabou e Carlos foi transferido para a escola onde os dois irmãos mais novos já estudavam. Lá, sentiu-se protegido, mas confessa ter se desgastado com a insistência de alguns em apelidá-lo. ´Meus irmãos sempre me defendiam. Os amigos passaram a ser os mesmos que os deles´. Engana-se quem pensa que o aspirante a advogado contava aos pais sobre as brincadeiras. Carlos revela que sempre evitou se intimidar diante dos agressores, apesar de, em casa, chorar compulsivamente. Motivo do silêncio? ´Nunca quis acreditar que aquilo acontecia comigo. Contar para alguém seria prolongar, por tempos, o sofrimento´.
Atualmente com 1,93 de altura e 92 kg, Carlos garante que é bem mais autoconfiante. E claro que os quilinhos a menos atraíram as meninas e os amigos de farra. Ele reconhece a importância da beleza na sociedade e admite haver uma certa falsidade na aproximação das pessoas.
Poderosa e magra
Ir à praia e ficar de blusão, vestir-se depois que todas as meninas saem do banheiro, odiar fazer compras no shopping e beijar, pela primeira vez, só aos 17. Limitações que a advogada Larissa Capibaribe, 23, impôs a si por causa do peso. ´Dos 12 aos 14, tinha 1,63 de altura e 71 kg. Vivi um inferno´, brinca.
Com notável baixa auto-estima, era tida como a ´gordinha legal´. Era inteligente, engraçada e até cupido da turma. ´Tive que abrir mão dos meninos que achava lindos. Receberia ´um fora´ por ser gorda´. Na hora das brincadeiras de mau gosto, os amigos desapareciam e, ao contrário do que se pode imaginar, ela ficava irritadíssima. ´Quando tinha 12 anos, me chamavam de ´Laura Carrossel´. Então, colocaram uma tachinha na minha cadeira para repetir a cena da novela´, conta.
E por incrível que pareça, foi um amor o responsável pela sua redução de peso. Aos 17, por ter sido rejeitada pelo príncipe dos sonhos, deixou de comer. ´Hoje, não sigo dieta nem faço academia. Emagreci mesmo. Certamente, ele já me viu e deve estar arrependido´. O passado foi responsável por um aprendizado: ´É importante ser humilde. Beleza ajuda, mas o conhecimento é o que define uma mulher´. Como Carlos, ela reconhece o quanto valorizam estereótipo magro. Segundo a advogada Larissa ´os homens são bem mais gentis com você. Caso fosse gordinha, eles não iriam me querer´.
INCIDÊNCIA
57% das crianças e adolescentes que sofreram bullying relatam não terem recebido retorno – um posicionamento da escola a respeito das agressões sofridas, segundo relata pesquisa da Unesco.
CURIOSIDADES
No bullying, estão envolvidos: autor (agressor), alvo (agredido) e testemunho (que presencia a agressão).
Os meninos estão mais envolvidos (autores ou alvos). Com as meninas a ação ocorre pela exclusão ou difamação.
São estudadas duas formas de bullying: praticado na escola (school place bullying) ou no trabalho (work place bullying).
É comum crianças utilizarem sites de relacionamento para agredirem verbalmente. É o cyberbullying.
São indicadores: quando a criança mostra desinteresse pela escola; apresenta baixo rendimento escolar; torna-se arredia; baixa auto-estima e pesadelos; evita falar sobre o que está acontecendo.
Se seu filho apresentar os sinais descritos acima, não o culpe. Converse com ele e procure a escola.
Medo desencoraja possíveis denúncias
Realidades distintas, mas problemas semelhantes. O bullying não privilegia ambientes escolares nem escolhe seus atores por classe social. É generalizado! Na escola pública visitada, o termo bullying somente era de conhecimento dos professores, diferentemente da instituição privada, onde alunos já mostravam, aos dez anos, saber seu significado.
´Promovemos debates nas classes, fazendo com que o bullying seja assimilado pelos alunos´, diz a orientadora-chefe do Ensino Fundamental I de uma escola particular de Fortaleza, Wilma Melo. ´Não podemos admitir a falta de respeito em sala de aula. Assim que identificamos o fato, fazemos um trabalho para que a criança se sinta segura a denunciar o grupo agressor. Com base no sentimento alheio, tentamos fazer com que os autores se coloquem no lugar da vítima´.
A orientadora ressalta a importância da família (do agressor e agredido) para combater a perseguição. Afinal, o medo e a insegurança desencorajam a denúncia. ´Somente através da cooperação entre professores, funcionários, alunos e pais, a escola poderá desenvolver uma estratégia para modificar o comportamento dos autores´.
Apelidos e ofensas
Se entre os pequenos os apelidos são as ofensas mais constantes, na faixa etária adolescente, a força física agrava significativamente a prática do bullying. ´Para buscar liderança e socialização, o agressor humilha o aluno mais fragilizado. Além da agressão moral, eles chegam até a esmurrar´, diz o orientador do Ensino Médio da mesma escola particular, Paulo Passos.
Ele considera a sociedade contemporânea a principal culpada pela insensibilidade em relação à diferença. ´Não existe mais cidadania. Os bons costumes foram deturpados com o passar do tempo e, por isso, é impossível para alguns sentir a dor do outro”.