Ouvir, cheirar, tocar. Perceber o mundo sem a visão exige que os portadores de deficiências visuais (Pessoas com deficiência visual) agucem os sentidos. Contudo, vivenciar outras realidades não se faz apenas pelo contato direto, mas também através dos livros. De acordo com estimativas da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais, moram cerca de três mil cegos no DF. E são apenas três bibliotecas adaptadas para atender toda essa população.
Antônio Wilson Ribeiro, diretor administrativo da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais, acha o número de bibliotecas insuficiente para esse público. “O ideal é que existisse um núcleo de acesso à leitura para deficientes visuais em cada cidade-satélite. Assim, ficaria muito mais fácil e mais pessoas procurariam”. Apesar desta carência, Antônio comemora: “Cada livro em braile é uma vitória, uma conquista!”.
A leitura dos deficientes visuais é feita com a ponta dos dedos. O alfabeto braile consiste na marcação de pontos em alto relevo nas páginas.
Alfabetizado, o cego lê estes pontos. Além do braile, eles também podem usar recursos de áudio para conhecer histórias e adquirir conhecimento. No entanto, os portadores de deficiência visual ou baixa visão ainda têm muita dificuldade de acesso a livros adequados às suas necessidades.
Há 13 anos, a Biblioteca Dorina Nowill, em Taguatinga, atende aos cegos apaixonados pela leitura. O acervo é de cerca de dois mil livros e mais arquivos sonoros que ficam à disposição de toda a comunidade. Entre os volumes há desde dicionários e a Constituição Brasileira ao Código Da Vinci e Harry Potter. Mas as atividades vão muito além do fornecimento de livros. A direção da biblioteca também se preocupa com a auto-estima dos freqüentadores e com a inserção deles na comunidade.
“Não nos preocupamos com o número de pessoas atendidas, o importante para nós é aquele cego que conseguimos recuperar, tirar de casa e fazê-lo se sentir importante”, explica uma das voluntárias, Dinorá Couto. “Aqui as pessoas começam a acreditar que a vida tem algum valor e que têm condições de fazer de tudo”, reitera Leonilde Fontes, diretora da biblioteca.
Cegos fazem recital poético
Há 12 anos a instituição promove o projeto Luz e Autor em Braille. O objetivo é incentivar o hábito da leitura e desenvolver a capacidade de criação dos cegos. Eles são colocados em contato com autores brasilienses e com as obras deles. A partir daí, cada um se identifica com escritores e acaba se inspirando para compor suas próprias obras.
Sandra Menezes, que trabalha os poemas juntamente com os deficientes, conta que o impressionante é ver como eles se esforçam. “Eles querem saber cada vez mais, querem participar. Muitas vezes eu me dou por satisfeita, mas eles sempre se esforçam para fazer tudo perfeito”. O Luz e Autor em Braille acabou resultando em um livro de poemas escritos pelos cegos. A leitura da poesia ainda deu origem ao projeto Literatura e Outras Artes, que abrange várias outras formas de cultura, como dança e música.
Para inserir os deficientes, foram dadas oficinas e, por seis meses, aconteceram recitais, nos quais eles se apresentavam. Os recitais poéticos foram parar na 1ª Bienal Internacional de Poesia. Durante o evento também aconteceram oficinas e apresentações. Foram 220 dias intensivos de poesia e preparação. Dinorá tem até planos de enviar o acontecimento para o Livro dos Recordes. “Duvido que alguém já tenha conseguido fazer uma mobilização poética com deficientes visuais por tanto tempo”, argumenta Dinorá.
E como em time que está ganhando não se mexe, os planos são de manter o projeto em funcionamento. “A gente vai dar um jeito de continuar trabalhando com a poesia. Agora não dá mais para largar. Foi muito bom”, conta Sandra. A idéia é fazer, mensalmente, uma quinta-feira cultural. Para o projeto ganhar mais adeptos, a biblioteca também oferece aulas de braile. A história do professor é uma entre tantas outras de volta por cima.
Aluno e professor
Nivaldo Alves, 60 anos, não sabia ler em braile. Ele teve aulas na biblioteca e, hoje, ensina crianças e adultos. “É maravilhoso trabalhar aqui e acompanhar o crescimento de cada aluno”, declara o professor.
Apesar do esforço de funcionários e voluntários, a biblioteca enfrenta a insegurança. O local foi assaltado quatro vezes. Os ladrões levaram aparelhos de som e a máquina de escrever em braille. “Já levaram tudo de valor que podiam, será que vão esperar acontecer algo mais sério para tomar alguma providência?”, questiona Dinorá. A direção da biblioteca já fez o pedido para colocarem um segurança de plantão. Mas não foi tomada providência.
A insegurança impede que a estrutura de atendimento seja melhorada. Um telecentro com dez computadores está pronto para ser instalado, mas não pôde ser recebido por causa da falta de segurança. “Eu não tenho coragem de receber estes computadores sabendo que podem ser roubados no dia seguinte. Já morro de medo de levarem a única impressora em braile que nós temos”, justifica Leonilde.
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