A história que segue mostra a superação das próprias limitações. “Trabalhei 18 anos como telefonista da Embratel, com uma mesa de operação adaptada, e quando a empresa foi privatizada, tive que pedir demissão para não perder meus direitos trabalhistas”, conta Elias. “Só ando sozinho para alguns lugares, não vou ao shopping, por exemplo, se não for acompanhado”. O celular é escolhido a dedo: com relevo nas teclas para facilitar a identificação dos números. A ausência da visão, porém, não impediu Elias de trabalhar, casar, ter filhos e, ainda, de se eleger vereador por dois mandatos seguidos.
Casos parecidos podem ser encontrados quando passamos a ouvir, enxergar e caminhar sem preconceitos na realidade das pessoas com deficiência, seja ela auditiva, visual, física ou mental. Dificuldades semelhantes à de Elias são a realidade de 17,6% da população potiguar, que possui alguma dificuldade física e/ou mental permanente. E muitos determinam para si uma vida de conquistas e possibilidades.
Na última década, grandes avanços beneficiaram a qualidade de vida e integração dessas pessoas à escola, família e trabalho. Ainda há muito a ser feito, mas os primeiros tijolos para uma base social cidadã começaram a ser assentados, como a lei municipal nº 4090/92, pioneira no país, e que assegura a eliminação das barreiras arquitetônicas e adaptação dos prédios, edifícios e logradouros públicos para quem tem dificuldade de locomoção.
Outra ferramenta importante é o decreto federal n° 5296, de 02 de dezembro de 2004, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade no país. As leis específicas de acessibilidade fortalecem a atuação do poder público junto aos empreendimentos da cidade, como é o caso das secretarias municipais de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) e de transporte e trânsito urbano (STTU), que trabalham em licenciamento, fiscalização e implantação de novos projetos nas vias públicas e privadas da cidade.
Transporte coletivo: direito de ir e vir
Uma das exigências da STTU (Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito Urbano) para aprovar o último reajuste da tarifa do transporte urbano coletivo em Natal para R$1,75, em setembro de 2007, foi a implantação do serviço “Porta a Porta”. O Termo de Ajustamento assinado com o Seturn (Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Natal), prevê 20 microônibus adaptados para buscar na residência as pessoas com dificuldade de locomoção até a parada regular de ônibus. O programa será realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, que oferece hoje o Prae (Programa de Remoção aos Atendimentos Especiais) para pacientes que necessita de remoção em ambulância, exceto urgência e emergência, que são exclusividades do SAMU.
As associações que atuam em favor das pessoas com deficiência estão hesitantes sobre o início do programa. “Toda semana a STTU diz que vai iniciar, e não acontece”, disse a presidente do Centro de Defesa dos Deficientes Físicos de Natal, Socorro Sena.
“O porta a porta estava previsto para começar em setembro passado, mas houve atrasos por problemas de interpretação do termo. O Seturn entendeu que poderia adaptar os microônibus que já existem na frota, e o que determinamos é que todos os veículos do programa sejam novos”, contou a secretária-adjunta da STTU, Lúcia Rejane Xavier. Ela afirmou que a questão foi resolvida e que o programa inicia ainda em julho. Um número de telefone será oferecido exclusivamente para agendamento dos horários, pelos participantes que serão cadastrados previamente, comprovando a necessidade do serviço”, completou.
A prioridade do programa é permitir que os atendidos cumpram os compromissos de trabalho, escola e saúde, mas o Porta a Porta poderá incluir programações de lazer nos finais de semana. “Depois de sentir a demanda, ampliaremos o serviço, adequando os horários e rotas”. Dez ônibus iniciam o serviço em julho, sendo previstos mais cinco veículos em setembro e outros cinco em março de 2009.
Surge avanço no setor de trabalho
Aos 16 anos, Cleide Rocha caminhava na calçada quando foi atropelada por um veículo. “Bati a cabeça e desmaiei. Fiquei em coma e os médicos desenganaram meus pais”, conta ela, hoje com 38 anos e paraplégica. Com a ajuda da família e dos amigos, ela conseguiu superar as dificuldades, mas recorda de um momento triste, após o acidente. “Procurei emprego como telefonista e recepcionista, escondido de meus pais, e quando viam que eu não andava, fechavam a porta na minha cara”.
Embora admita existir ainda preconceitos a serem superados para facilitar a inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, o coordenador da sub-coordenadoria para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência do RN (Corde-RN), Éliton Costa, acredita que muita coisa mudou nos últimos anos, como edição do decreto federal nº5296/04, que reserva 10% das vagas em concursos públicos às PPD .
“Com conscientização de todos e cumprimento do decreto, respeitando as diferenças desde a realização do concurso, assegurando-os intérpretes daLIBRAS, ledores de Braille, provas com fonte ampliada e acessibilidade nos locais de prova”. Segundo ele, também progrediram as oportunidades de ocupação para estas pessoas. “A fiscalização da Delegacia Regional de Trabalho para que as empresas cumpram a lei 8.213/91, que assegura o sistema de cotas a estas pessoas, ajudaram”.
A Corde/RN realiza parcerias para capacitar as pessoas com deficiência, ampliando as chances de inclusão no mercado, e acompanhando-as às entrevistas encaminhadas pelo órgão. “Realizamos treinamentos junto aos Recursos Humanos das empresas referentes ao trabalho”. Éliton acredita que respeitando as diferenças, “as PPD desenvolvem qualquer função, desde que lhes sejam garantidos os recursos”
Foi o que aconteceu com Francismar Araújo, que é deficiente auditivo. Ele trabalha há 14 anos no Suvag, desempenhando diversas funções, como porteiro e digitador.
Passe livre para os deficientes
Marcos Jorge Barbosa, 22, é deficiente auditivo desde os quatro anos, em conseqüência de uma rubéola. Mas a limitação não o impediu de tomar decisões importantes na vida adulta. “Quando terminou o Ensino Médio, no Colégio Imaculada Conceição, ele decidiu trabalhar”, conta a mãe orgulhosa, Maiza Barbosa. Há um ano e meio ele trabalha no setor de tecelagem da empresa Coteminas, e viajou sozinho a São Paulo nas primeiras férias recebidas. “Ele já conheceu também Bahia, Brasília, Mossoró e Fortaleza”.
As viagens foram possíveis por meio do Passe Livre interestadual, programa do Governo Federal para o portador de deficiência física, mental, auditiva ou visual carente. Ele permite a essas pessoas o direito de percorrer o país a custo zero, caso a família possua renda familiar mensal de até um salário mínimo por pessoa. Estão incluídos o transporte coletivo interestadual convencional por ônibus, trem ou barco, e transporte interestadual semi-urbano.
Atualmente, as pessoas com necessidades especiais, incluindo idosos, têm direito ao cartão de gratuidade para circular dentro de Natal. Essa é uma prerrogativa que atende também a determinações do Governo Federal. De acordo com a STTU, entre 10% e 15% dos usuários de transporte coletivo urbano são beneficiados com o programa.
Exame é um direito do recém-nascido
Os corredores do Suvag (Centro de Reabilitação da Audição e Fala) estão cheios de pais e bebês com menos de um mês de vida. O motivo: a realização do exame “Emissão Otoacústica Evocada”, ou “teste da orelinha”, que detecta possíveis perdas auditivas em recém-nascidos. Os dez minutos de triagem oferecem o resultado que pode fazer a diferença por toda uma vida.
“Antes, o exame só era realizado em crianças pré-maturas. Mas estudos mostram que o recém-nascido que tem o diagnóstico e a intervenção fonoaudiológica até os seis meses de idade pode desenvolver linguagem muito próxima à de uma criança que não apresenta alterações auditivas. E que bebês que nasceram sem nenhuma complicação de saúde também podem apresentar perdas auditivas”, explicou a fonoaudióloga Juliana Cavalcanti.
O exame é obrigatório pela Lei nº0251/03, e deve ser realizado em todas as maternidades e estabelecimentos hospitalares públicos e privados do RN, gratuitamente. Se o estabelecimento não possuir o serviço, ele deve ser encaminhado para um local conveniado apto, como acontece entre Suvag e Hospital Santa Catarina. “Há um ano recebemos os bebês da maternidade do Santa Catarina, e quando detectamos algum indicador de risco para a surdez, passamos a acompanhar o bebê”.