A carteira de clientes de Marcelo Prado soma 400 nomes. Sua empresa está presente em 24 estados prestando consultoria. Aos 51 anos, o empreendedor já conhece 50 países, visitou todas as maiores empresas do mundo e foi, inclusive, secretário de Indústria e Comércio de Minas Gerais. Mas, talvez, se Marcelo Prado não tivesse aceitado um novo jeito de ver o mundo aos 8 anos de idade, nada disso teria sido construído. Seria mais um que se resigna às intempéries da vida e se acomoda na posição de um "pobre coitado" ou um "grande azarado". Não existiria também "Meu jeito de ver", livro que o empresário contador de histórias lança nesta quarta-feira, às 10h, no Center Convention durante a Feniub. Porque seria apenas uma história entre tantas outras dos 14,5% da população brasileira que têm alguma deficiência.
Mas não o foi. Quando o jeito de olhar de Marcelo Prado mudou bruscamente aos 8 anos, a inocência da criança o ajudou. Porque num piscar de olhos, uma doença de nome estranho, a retinose pigmentar, lhe tirou 50% da visão. Se estranhamente a lousa não mais lhe aparecia na frente, era só se levantar para chegar perto do quadro e copiar o que a professora escrevia. Só sentiu que sua vida tomaria rumos diferentes, difíceis e tortuosos quando não conseguia ver a bola lançada pelos amigos durante o jogo de futebol. "Acho que até hoje é uma das maiores frustrações porque fui tirado do time. Não poderia jogar o que mais gostava. Pelo menos sobraria mais tempo para meus empreendimentos: vender jabuticaba que pegava no pé da casa da minha avó, carregar mala na rodoviária que era perto de casa ou engraxar sapatos", lembra.
Os xingamentos constantes dos meninos mais velhos demonstravam como, na época, a discriminação era bem mais forte que atualmente. Mas aí contava com os amigos, que nunca lhe faltaram. Quando adolescente não sabia que apenas 5% dos deficientes conseguiam concluir o ensino médio. Mas já queria contrariar a estatística e entrar numa universidade. Nesta época, aos 17 anos, tinha apenas 30% da visão. Foi um amigo quem preencheu a ficha de inscrição para o vestibular de Agronomia em Ribeirão Preto, onde precisou enfrentar um dos vários desafios: mostrar que era capaz. "A secretária não queria aceitar minha inscrição, dizia que não conseguiria fazer a prova. Tive que ir a Jaboticabal conversar com o diretor da faculdade, que me disponibilizou quatro instrutores que leriam a prova e eu escreveria as respostas numa folha sufite, como fazia no colégio. Eram mil candidatos para 40 vagas. Fui o 9o colocado", contou.
Quando se formou, foi apresentado a Luis Alberto Garcia, presidente do Conselho de Administração da Algar. No grupo, começou numa posição humilde e chegou a vice-diretor. Foram mais de 20 anos de carreira. Mas, neste meio tempo, mais problemas: aos 35 anos, uma cirurgia malsucedida feita em Cuba lhe roubou as poucas porcentagens que tinha de visão, restando mísero 1%. O suficiente para provar sua competência e quebrar o preconceito contra os deficientes. "Quando conquisto algo que considero significativo, acho importante compartilhar. Porque todos nós temos um momento em que nos sentimos fragilizados, seja por um problema pessoal, na empresa ou físico. E quando a pessoa se sente frágil, a tendência é entregar os pontos. Quero exatamente mostrar que todos nós temos problemas e que, se enfrentarmos com persistência – porque barreiras vão aparecer – e tivermos automotivação, teremos a capacidade de alcançar resultados. E eu estou sempre buscando algo a mais, um objetivo além. É só batalhar para conseguir", aposta Marcelo Prado.
Renda será revertida para cursos no Instituto Integrar
Se Deus lhe tirou a visão, também deu a Marcelo Prado o poder de desenvolver outros sentidos. Primeiro o da audição, como em todo deficiente visual. Depois, a memória e uma velocidade de raciocínio que consegue compensar aquelas pequenas dificuldades que a falta da visão traz como o simples anotar de um número de telefone. A diferença é que Marcelo Prado soube usar esses diferenciais a seu favor. Também por isso "Meu jeito de ver" é uma lição não somente aos deficientes, mas a todos que querem saber que tudo é possível. "Escrevi inclusive numa linguagem simples, muito bem-humorada para não ser uma história de drama, para que todos possam ler, entender e gostar, do empresário à doméstica", explicou.
De forma linear, da infância aos dias atuais, Marcelo Prado conta sua história em 128 páginas no livro que vai ajudar não apenas pelo conteúdo. Toda venda será destinada ao Instituto Integrar, que reverte em cursos de capacitação para os deficientes físicos de Uberlândia visando à inserção no mercado. "Porque nada acontece por acaso. É preciso esforço, competência. Se preparar para ser competitivo. Outro detalhe interessante do livro são os depoimentos de pessoas importantes nesta história, desde amigos e família a presidentes de empresas como Votorantim, Cargil e Singenta. Foram seis meses de escrita, com ajuda de Adriana Chuffi, que redigia todas as histórias. E outros anos para publicar. Um processo lento, que me fez pensar sobre minha vida. E tomara que possa ajudar outras", concluiu.
SERVIÇO: lançamento do livro "Meu jeito de ver", de Marcelo Prado, nesta quarta-feira, às 10h, no Center Convention, quando haverá também uma palestra com o consultor. Já no dia 22, às 19h30, o lançamento acontece na Livraria Siciliano, do Center Shopping. "Meu jeito de ver", com 128 páginas, lançado pela Editora de Cultura, custará R$ 30.