PARANÁ

Amigos criam tirinha para falar sobre deficiência física e ser humano

Da esquerda para a direita estão Mirella Prosdócimo, Manoel Negraes, Rafael Camargo e Rafael Bonfin (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Um grupo de amigos de Curitiba decidiu retratar a deficiência física de uma maneira diferente e, principalmente, fora de padrões, preconceitos e estereótipos que eles percebem serem corriqueiros na sociedade. A consultora para inclusão, Mirella Prosdócimo, de 38 anos, o sociólogo Manoel Negraes, 33, e o jornalista Rafael Bonfin, 30, são deficientes físico e decidiram criar a tirinha “Super Normais” para mostrar que são pessoas comuns.

“Pessoas com deficiências normalmente são retratadas como super-heróis, pessoas que superaram milhares de desafio, então, são além do normal, ou como coitadinhos, dignos de pena. Então, a gente queria fazer este paralelo (…). Somos pessoas supernormais com histórias, como qualquer outra pessoa. Lógico que a gente acaba passando por algumas dificuldades, de vez em quando, mas são questões mais físicas, mais práticas do dia a dia como subir uma escada ou não conseguir usar um banheiro”, disse Mirella, que sofreu um acidente de carro aos 17 anos e ficou tetraplégica.

Composta por três quadros, a tirinha surge por meio de personagens reais, retrata as diferentes experiências vividas pelos três e nem sempre tem a deficiência como temática principal já que surge de conversas descomprometidas sobre o homem.

Quadrinhos falam sobre deficiências físicas (Foto: Divulgação/ Super Normais)

A difícil tarefa de traduzir as reflexões de Mirella, Manoel e Rafael e também de dar o tom humorístico às ideias do grupo cabe ao desenhista Rafael Camargo, que não conhecia nenhum deles quando foi convidado para participar dos “Super Normais”.

Ele contou que ficou surpreso ao entender a proposta e perceber que a deficiência física era um fator menor. Para ele, este projeto trabalha essencialmente com a dificuldade do ser humano lidar com as dificuldades. “O que foi um soco no estômago, na verdade, foi que o que eles estavam mostrando para mim não tinha nada a ver com deficiência. Tinha a ver com respeito, com civilidade, resiliência. Eu falei: nossa isso é muito bom. É muito verdadeiro”, lembrou o desenhista. “Até no dia eu chorei, foi muito massa”.

No primeiro encontro se estabeleceu um entendimento imediato e quem foi convidado, incialmente, apenas para desenhar, deu nome a tirinha e passou a acumular a função de redator. A partir das conversar dos amigos, Camargo capta aquilo que pode render uma história contada em três etapas.

Para Rafael Bonfin, que teve complicações no parto e não consegue andar, Camargo tem uma sensibilidade e uma habilidade interessante para passar as reflexões para a tirinha. “Ele conseguiu perceber que na verdade o que a gente faz com os Super Normais é colocar uma lupa de aumento em relação aos desafios que qualquer ser humano tem. Falar sobre questões do nosso universo tem a ver com olhar com cuidado para os problemas inerentes ao ser humano”, explicou Bonfin.

É unânime entre Mirella, Manoel e Rafael que a sociedade dá mais importância à deficiência física do que o próprio deficiente. Contudo, este destaque é distorcido. “Elas [as pessoas] dão importância, mas elas pegam pelo lado de preconceito, de estereótipo e não da forma que deveriam dar para que se pudesse avançar em relação à cidadania e ao respeito de direitos. Então, ao mesmo tempo em que a gente vê que elas dão muita importância, elas ainda param na vaga exclusiva, elas não se preocupam em fazer a acessibilidade. Então, qual é este olhar que a sociedade tem maior do que a gente”, questionou Manoel, que tem 15% da visão.

O projeto
Uma vez por semana, os amigos se reúnem no Café New York, em Curitiba, para discutir o andamento dos “Super Normais” e também para conversar sobre assuntos diversos. A escolha do lugar não foi aleatória. O espaço prima pela acessibilidade, com rampas de acesso, banheiros adaptados, mesas e bancadas mais baixas e equipe capacitada para atender clientes que são deficientes.

É entre assuntos de trabalho e do dia a dia, um café e um sanduiche que surgem as tirinhas. Atualmente, o produto – que tem um pouco mais de um mês de vida – é divulgado na internet. A equipe aposta nas redes sociais para que os personagens e a linguagem da proposta se tornem conhecidos.

Para 2013, o objetivo é divulgar a tira em um veículo do grande circulação e lançar publicações impressas. Mirella, Manoel, Rafael e Camargo também trabalham a ideia de criar um material para criança, com uma veia educacional.

Eles se encontram no Café New York, em Curitiba (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

A aceitação da deficiência física
Na avaliação de Camargo o humor de qualidade só pode ser expresso na tirinha dos “Super Normais” porque Mirella, Manoel e Rafael têm maturidade para lidar com as limitações. “No primeiro encontro eu dava muita risada e isso é legal porque é um lance de humildade. Você tira sarro com algo que é supernormal”, disse Camargo.

No caso de Manoel, a deficiência começou a se manifestar na adolescência e ele contou que demorou sete anos para assumir que precisava usar a bengala. Para ele esta fase de aceitação e totalmente compreensiva. O complicador, de acordo com ele, existe quando o deficiente age de uma forma que legitima o preconceito visível na sociedade. “Essas imagens de super-herói e de vítima não existem à toa. Não é uma coisa que foi colocada só de um lado. As pessoas com deficiência reforçam isso no dia a dia”, acredita Manoel.

Ele afirmou que, em muitas situações, é mais cômodo a pessoa se colocar como vítima. “A tendência é a gente se acomodar. As pessoas costumam fazer tudo para a gente e, se a gente deixar, a gente não faz nada, mesmo”. Manoel exemplificou ao dizer que se ele entra em um lugar e diz que está com sede, logo já tem um copo de água na frente dele. “Então é muito fácil a gente se acomodar e legitimar esta ideia de que a gente não pode fazer nada sozinho”, acrescentou.

Super Normais fizeram uma tira exclusiva para o G1 (Foto: Divulgação/ Super Normais)

Mirella contou que viveu muito tempo esperando uma solução para a deficiência dela, esperando os movimentos voltarem. “Demorei muito tempo para me adaptar porque eu perdi todos os movimentos do pescoço para baixo. Não é uma situação que você se adapta do dia para a noite ou em um mês, dois meses”, confessou. Agora, depois que ocorre a aceitação, segundo Mirella, se torna mais tranquilo viver a ponto de esquecer que tem a deficiência.

“Uma das grandes barreiras que a pessoa com deficiência enfrenta para caminhar para a aceitação e lidar com esta condição é tentar enxergar a condição que ela tem como uma possibilidade, um potencial de transformação do universo ao redor dela. Isso é muito importante e muito difícil para uma pessoa com deficiência perceber que ela tem essa chance. Ela não enxerga esta possibilidade e ela não consegue perceber a responsabilidade que ela pode adotar para ela mesma”, complementou Rafael, que diz que não passou pelo processo de aceitação por ter nascido com a limitação para se locomover.

Fonte: G1

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