Estávamos lendo algumas matérias sobre inclusão e procurando o significado da palavra no dicionário, e encontramos: “Inclusão: S.f. Ação ou efeito de incluir. Estado de uma coisa incluída.” Começamos a refletir, então, se é possível incluir alguém, ou se é possível pensar sobre quem não está incluído. De fato, há vários debates sobre este tema e várias bandeiras vêm sendo levantadas ao redor dele, inclusive em campanhas políticas. Os defensores da inclusão dizem que podemos incluir um deficiente físico para trabalhar em uma rede de fast food, ou uma criança, com diagnóstico de síndrome de down, numa escola. Entretanto, se analisarmos as pessoas que se encontram em situação de risco e/ou vulnerabilidade, exemplos utilizados para definir inclusão, podemos indagar: mas elas não pertencem ao meio social? De que estão excluídas?
Podemos enumerar uma lista de pessoas “excluídas”, agrupando-as em categorias: indigentes, mendigos, vagabundos, velhos, doentes sem recursos, deficientes, crianças órfãs, doentes mentais, cidadãos sem domicílios, cidadãos asilados e instituídos nos hospitais psiquiátricos, nas casas de abrigo para idosos, nas clínicas de recuperação para dependentes químicos, operários sem emprego, desempregados de longa data, jovens em busca do primeiro emprego, entre outros. No entanto, essa categorização pode ser uma armadilha se não analisarmos os fatores que a precedem.
Robert Castel, sociólogo francês, diz que deveríamos ter uso reservado do termo exclusão, pois corremos o risco de não conduzirmos investigações precisas sobre cada situação. O fato de rotular os sujeitos, classificando-os nas situações-limite, só tem sentido na perspectiva de um processo, pois a “exclusão” se dá efetivamente pelo estado de todos os que se encontram fora dos circuitos vivos das trocas sociais.
Assim, focalizar a atenção sobre a “exclusão” é economizar a necessidade de reflexão e de intervenção sobre as dinâmicas sociais que são responsáveis pelo desequilíbrio atual, pelo estado de despossuir. Não se pode falar, numa sociedade, de situações fora do social. O que está em questão é a dissociação e não, necessariamente, a “exclusão” social, pois trata-se, na maioria das vezes, da vulnerabilidade criada pela degradação das relações de trabalho e das proteções correlatas, em que certas categorias da população estão, de fato, privadas de participar de um certo número de bens sociais e estão ameaçadas de cair numa situação ainda mais degradante, a discriminação.
Sem dúvida, não é fácil conciliar, de um lado, as exigências da competitividade e da concorrência reafirmadas pelo modelo capitalista e, de outro, a manutenção de um mínimo de proteção e de garantias para que as conquistas de uns não sejam pagas pela anulação de outros. Nesse sentido, podemos dizer que as novas formas organizacionais pautadas pelo capitalismo intensificaram os processos de trabalho implicando na desqualificação da força humana. Muitos trabalhadores vivem, diariamente, situações de vulnerabilidade, pois correm o risco de perderem o emprego se não alcançarem as “metas” previstas.
A concepção de trabalho enquanto “práxis” foi reduzida para a força da mão de obra do trabalhador, totalmente comercializada pelo mercado, onde se dividiram os sujeitos: aqueles que estão aptos para o trabalho e os não aptos. Estes últimos são considerados descartáveis (ou invisíveis), tendo em vista que na arena mercadológica as trocas e o consumo aparecem em destaque. Trocam-se pessoas, bens materiais, hábitos de vida, valores morais e culturais; enquanto isso, acentua-se o consumo de ações e serviços com ênfase nos valores da instantaneidade (alimentos e refeições instantâneos e rápidos e outras comodidades) e da descartabilidade (xícaras, embalagens, roupas, etc). É a dinâmica da sociedade do descarte, como descrita pelo geógrafo britânico David Harvey, em que tudo que é sólido se desmancha no ar; portanto, assim como se descartam bens de consumo, também se descartam a cultura, as relações e os afetos.
E, para não nos condenarmos da responsabilidade do modo de vida que vem sendo produzido, limitamos a discutir a “inclusão” delegando ao sujeito a falta (da não sociabilidade, por conta de ser diferente) e imputando a nós (ditos “normais”) a função de minimizar essa condição, por meio da inserção daquele no mundo dos “normais”, como se eles já não pertencessem ao meio social. De fato, há uma tendência de tentarmos torná-los “o mais próximo da normalidade” para podermos aceitá-los no convívio social.
* Camila Pascoalim, Magali Aparecida Lopes são alunas do curso de graduação em Terapia Ocupacional da Universidade de Sorocaba-Uniso. Soraya Diniz Rosa é orientadora do trabalho. Professora dos cursos de saúde da Uniso. Doutora em Educação.