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Bancos esquecem deficientes físicos

 

Portadores de deficiência física enfrentam dificuldades para utilizar os serviços das agências bancárias da região. Falta de equipamentos adaptados, despreparo de funcionários e demora no atendimento são alguns dos problemas mais comuns.

Durante a semana, a equipe do Diário percorreu oito unidades bancárias na companhia do coordenador do Grupo de Trabalho da Pessoa com Deficiência do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC Alexandre Francisco. Xande, como é conhecido, é deficiente desde o nascimento em função de um problema muscular congênito.

O martírio começa já no saguão principal. A cadeira de rodas não cabe no espaço da porta giratória, o que obriga a abertura da passagem lateral. O problema é que, na maioria dos casos, a chave fica em poder do gerente. Em uma das agências do Banco do Brasil na Rua Senador Fláquer, a porta demorou quase cinco minutos para ser aberta. Nos demais bancos visitados, o tempo varia entre um e três minutos.

Os caixas eletrônicos também representam desafio. Por serem altos, os equipamentos dificultam a visão do cadeirante ao teclado e ao monitor.

Na área de atendimento, os bancos oferecem mesas rebaixadas. O problema é que nem sempre os caixas adaptados funcionam. Em uma agência do Bradesco, o terminal reservado a deficientes não tinha computador.

No Itaú, o caixa tem altura normal, o que dificulta a comunicação entre o cliente e o bancário. “Se eu tivesse que assinar algum documento, não conseguiria”, reclamou Xande. Outro problema é a ausência de recuo para as pernas. O único banco visitado cujo caixa foi considerado ideal pelo usuário foi o Mercantil do Brasil.

Na Caixa Econômica Federal, Xande procurava informações a respeito das parcelas de seu imóvel, quando foi alertado que o atendimento seria feito no primeiro andar. O elevador, no entanto, não funcionava. O serviço, então, foi improvisado em um caixa no térreo.

O despreparo de funcionários e vigilantes também atrapalha o serviço. Ao sair de duas agências após curto tempo de permanência, seguranças, em tom irônico, questionaram sobre o pouco tempo em que havia ficado na agëncia. Em outras situações, funcionários abordaram o cliente sobre o tipo de atendimento que procurava. “Engraçado é que eles não perguntam isso para as demais pessoas na fila. É muita indiferença conosco”, protesta Xande, que afirma usar a internet para fazer transações sem sofrer preconceito.

Instituições dizem oferecer acessibilidade

Apesar dos problemas encontrados pelo Diário nas agências do Grande ABC, os bancos dizem ser adaptados para receber deficientes. As instituições financeiras alegam que estão em conformidade com as exigências legais. “O Banco do Brasil cumpre as deteminações legais e técnicas naquilo que se refere à promoção de acessibilidade e atendimento prioritário às pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental”, informa a empresa estatal.

O BB diz que as agências não adaptadas passarão por reformas ou realocação.O Santander informa que cumpre “as normas de acessibilidade” e oferece treinamento aos bancários. O banco afirma que a entrada pela porta lateral é “facilitada por diversos funcionários, além de atender aos critérios de segurança”.

Segundo o Mercantil do Brasil, todas as agências do banco estão aptas a receber portadores de necessidades especiais. Em relação aos caixas eletrônicos, a empresa diz que todos são “certificados”.

Já o Itaú salienta que oferece “rampas de acesso, vagas mais amplas e demarcadas, sinalização especial, banheiros e guichês adaptados para facilitar o contato”. A instituição financeira não comentou a respeito dos caixas eletrônicos.

A Caixa Econômica Federal também diz que “oferece em suas agências acesso a edificações, mobiliário e ambientação para atendimento de pessoas com deficiência motora e visual, ou de mobilidade reduzida”. O banco estatal promete que, em 30 dias, todas as agências da região terão modelos de guichês de caixa e de atendimento adaptados, bem como os balcões para preenchimento de guias e cheques. Em relação ao elevador quebrado em Santo André, a empresa justifica que o problema foi resolvido no mesmo dia.

O Bradesco e a Federação Brasileira de Bancos não responderam aos questionamentos da reportagem.

O Banco Central, por sua vez, afirmou que não possui normativo que obrigue as instituições a instalarem caixas eletrônicos e outros equipamentos adaptados para pessoas com mobilidade reduzida.

Especialistas cobram aplicação da lei

Especialistas em Direito ouvidos pelo Diário defendem que os bancos cumpram com rigor a legislação que exige acessibilidade no interior das agências. A lei 10.098/2000, regulamentada pelo decreto 5.296/2004, exige que “a construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

O decreto determina que o mobiliário de recepção e atendimento deve ser adaptado com base em normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Entre outras obrigações, a norma 9.050 da ABNT exige que os balcões devem possuir profundidade mínima de 30 centímetros, o que não foi respeitado na maioria das agências da região visitadas pela equipe do Diário.

Apesar de a lei não ser específica para os bancos, a professora de Direito da Universidade Mackenzie Patrícia Tuma Bertolin explica que as instituições financeiras têm a obrigação de se enquadrar na legislação. “A lei se volta a toda a sociedade, e não especificamente aos bancos. No entanto, eles não podem se eximir de cumprí-la”.

A especialista acrescenta que, por conta dos altos lucros registrados, os bancos “não podem alegar grandes transtornos financeiros para fazer as adaptações necessárias”. Patrícia cobra fiscalização mais efetiva, de forma que seja criada conscientização acerca do assunto.Professor de Direito do Consumidor da Faculdade de Direito de São Bernardo, Artur Rollo afirma que os bancos devem oferecer condição para que o usuário deficiente consiga fazer todos os procedimentos necessários sem a necessidade de ajuda de terceiros. “Infelizmente, o Brasil ainda está engatinhando em questão de acessibilidade.”

Rollo avalia que os bancos brasileiros se limitam a instalar rampas e elevadores, sem adaptar o restante da agência. Para o especialista, o fato de a lei não definir penas em caso de descumprimento dificulta punições a empresas em situação irregular.

A advogada Ana Paula Satcheki, diretora do Procon de Santo André, orienta os clientes que se sentirem lesados a procurarem o Ministério Público ou registrarem ocorrência em delegacia próxima. “O Procon atua mais em questões específicas e pontuais, como a devolução de dinheiro ou de mercadoria com problema. A atuação do Procon é mais de conscientização e conciliação. Se o deficiente se sentir prejudicado, ofendido, constrangido, ele tem de procurar o Judiciário para tentar receber indenização.”

Para sindicato, bancos discriminam deficientes

A presidente do Sindicato dos Bancários do ABC, Maria Rita Serrano, avalia que os bancos discriminam portadores de deficiência física. “Se a situação é ruim para os clientes, imagine para os trabalhadores”, alerta.

A dirigente afirma que a adaptação das agências esteve presente na pauta de reivindicações da última campanha salarial da categoria, finalizada no mês passado. Segundo ela, a Federação Brasileira de Bancos informa que já está cumprindo a lei. “Outro problema grave é que as instituições financeiras não preparam funcionários e vigilantes para prestar bom atendimento aos deficientes”, acrescenta Maria Rita.

Procurada, a Febraban não se manifestou.

Fábio Munhoz
Do Diário do Grande ABC

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