Para a maioria das pessoas, basta entrar em uma livraria ou biblioteca de sua cidade para ter acesso a milhares de títulos, de best sellers como a saga Harry Potter a livros específicos sobre física quântica. Apenas em 2009, 22 mil lançamentos e 30 mil reedições encheram as livrarias brasileiras, segundo o balanço anual Produção e Vendas do Setor Editorial, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Entretanto, a prateleira de livros é bem menor para aquelas pessoas consideradas cegas ou com baixa visão. Em 2010, a maior editora de livros em braille da América Latina, a Fundação Dorina Nowill, produziu 342 títulos. “O acesso ao livro é precário e sofrível”, classifica Vera Lúcia Zednick, criadora do Projeto Acesso, uma organização sem fins lucrativos que luta pela inserção social e educativa do deficiente visual. Na biblioteca do Projeto, por exemplo, existem apenas 50 livros em braille. Segundo Vera, existem pouquíssimos títulos disponíveis em livrarias, cujo catálogo é, em sua maioria, constituído por livros infantis.
Criado no século XIX pelo francês Louis Braille, o sistema de escrita e leitura através do tato revolucionou o mundo dos deficientes visuais. Entretanto, quase dois séculos depois de seu nascimento, livros criados ou adaptados para o sistema ainda são caros e de difícil acesso no Brasil. O último dado disponível sobre o número de cegos e pessoas com baixa visão no Brasil (Censo 2000) aponta que existem 169 mil deficientes visuais no País – dos quais se estima que apenas 10% sejam alfabetizados em braille.
O custo de produção do livro em braille é alto – cerca de dois dólares por página – e demora em média três meses para ficar pronto. Como não é possível reduzir ou aumentar o tamanho dos caracteres, como acontece com fontes tipográficas tradicionais, os livros também costumam ficar grandes. Uma página em tinta equivale a quatro páginas de um livro em braille – assim, um pequeno dicionário da língua portuguesa acaba transformado em 35 grandes volumes.
No caso de Bruno Marques da Silva, de 11 anos, os livros didáticos em braille para a sexta série ocupam “uma prateleira cheinha” na sua casa. Alfabetizado em braille desde 2006, Bruno costumava pegar os livros na Fundação Dorina Nowill, onde ficou por dois anos. Hoje, sua maior fonte é a biblioteca da escola. Além dos didáticos, a última leitura em que Bruno mergulhou foi o infanto-juvenil “O Dragão Verde”, de Maria Clara Machado. “Eu li a introdução em braille, aí achei legal e peguei o livro.” Com menos entusiasmo, o garoto também fala sobre um livro que não conseguiu ler – o romance “Tarzan”, escrito pelo americano Edgar Rice Burroughs em 1914. “Eu estava jogando um jogo acessível do Tarzan e me contaram que também tinha um livro. Eu procurei, mas não encontrei.”
Fontes de acesso
Em São Paulo, as duas maiores fontes de acesso aos livros são a Fundação Dorina Nowill e a Biblioteca Louis Braille do Centro Cultural São Paulo. Criada pela pedagoga Dorina Nowill em 1946, inicialmente com o nome de Fundação Para o Livro do Cego no Brasil, a entidade tinha como objetivo principal criar e distribuir livros em braille para que deficientes visuais, como a própria Dorina, pudessem estudar. Hoje, cerca de 70 pessoas trabalham exclusivamente na área editorial da Fundação, que também possui uma gráfica própria, equipada com seis máquinas impressoras. Os livros são distribuídos gratuitamente para escolas e bibliotecas de vários estados do Brasil. Não existe, entretanto, uma biblioteca de braille própria na Fundação – um exemplar de cada livro é enviado para a Biblioteca Louis braille, no Centro Cultural São Paulo.
A Fundação Dorina Nowill também trabalha com livros falados (audiobooks) e livros digitais. Livros didáticos muito ilustrados ou com fórmulas – como os de matemática, mísica, química ou geografia, com mapas – também são preferencialmente adaptados para o braille. Já obras consideradas de “entretenimento”, como best sellers, clássicos da literatura e revistas semanais, são transformadas em livros falados. Livros universitários e de referência, em geral, são adaptados para o formato digital acessível.
O acesso ao livro didático continua sendo problemático, embora o MEC determine – e arque com metade do valor – que todos os livros didáticos comprados pelo ministério tenham sua versão digital distribuída de forma gratuita para as escolas. Ainda assim, como a adaptação é demorada, no caso de escolas particulares, muitas vezes os pais precisam enviar o material com meses de antecedência – e ainda assim correm o risco de não receber os livros a tempo. Por outro lado, nos últimos anos cresceu o investimento em livros falados e digitais, acessado via computador, com a ajuda de softwares específicos que podem ler trechos, aumentar o tamanho da fonte ou realizar buscas por termos dentro do texto. Esses novos formatos são produzidos mais rapidamente e a um custo menor.
Para Vera Lúcia, houve avanços, mas ainda é preciso afinar o discurso com a prática. Para ela, o livro em braille ainda é fundamental para o conhecimento e a aprendizagem. “Imagine estudar química ou história com alguém lendo para você! O discurso está maravilhoso, mas falta a prática”, conclui.