Conscientizar motoristas sobre os perigos do álcool na direção. Essa é a missão de um grupo de cadeirantes vítimas de acidentes no trânsito que há mais de 2 anos trabalha na Operação Lei Seca, no Rio de Janeiro. Durante uma blitz, realizada na noite de quinta-feira, dia 22 de julho na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio do Janeiro, eles compartilharam suas histórias com pessoas abordadas pelos agentes.
Enquanto a equipe montava a tenda e interditava parte da pista, um grupo de três cadeirantes vestia os coletes da operação e separava os panfletos que seriam distribuídos. Um deles é o mecânico Márcio da Silva Alcântara, 39 anos, que ficou tetraplégico após um acidente em 1993. Ele afirma que passou a ser visto de outra forma desde que começou a trabalhar nas ruas.
“As pessoas me olhavam como um inútil, um coitado que estava todo quebrado em cima da cama, e hoje eu vou para a rua e vejo que consigo salvar vidas, incentivando as pessoas que forem dirigir que não bebam, ou vice-versa, porque não quero ver ninguém na minha situação. Eu me sinto feliz salvando vidas. É o melhor prêmio que eu tive na minha vida”, disse ele.
Márcio, que também é jogador de rúgbi em cadeira de rodas, passou 13 anos na cama até ser convidado pelo governo a participar da operação como agente. Ele disse que no dia do acidente tinha exagerado na bebida e que não tinha consciência do que aquilo poderia lhe causar. “Eu estava sob o efeito do álcool e peguei a moto para trabalhar. Dois ‘caras’ tentaram tomar a minha moto, eu tentei fugir e não pensei na hora, e acabei batendo no carro e quebrei o pescoço”, contou.
“Passar a nossa experiência é uma obrigação”
Com fôlego de sobra, o funcionário público Marcelo de Oliveira Santos, de 29 anos – paraplégico desde que caiu de moto após ser atingido por um motorista com sinais de embriaguez – divide o tempo entre o trabalho no Departamento de Trânsito do Rio (Detran-RJ) e na campanha de conscientização e educação. Para ele, é uma oportunidade “de mostrar a realidade de forma crua”.
“Eu comecei em 2009. Até então eu fazia apenas campanhas pela minha ONG. Para mim, é uma oportunidade incrível de passar para as pessoas a realidade, de mostrar o nosso valor. A gente tem que dar o nosso melhor. Passar a nossa experiência é uma obrigação. No fim, sinto que ajudei a evitar mais uma morte no trânsito”, afirmou.
Em vigor no Rio de Janeiro desde 19 de março de 2009, a Operação Lei Seca realiza blitzes em vários pontos do estado e já conseguiu evitar que mais de 5,2 mil pessoas fossem vitimadas no trânsito, com ferimentos, mutilações ou mortes, segundo a Subsecretaria estadual de Governo. Além dos cadeirantes, policiais militares e funcionários do Detran-RJ participam da ação.
A abordagem é simples: após ser parado na blitz, o motorista salta do veículo e segue para o teste do bafômetro. É nessa hora que os cadeirantes entram em ação e tentam alertar e sensibilizar as pessoas. Veterano nas operações na Barra da Tijuca, o músico Geraldo Batista, de 62 anos, disse que ganha cerca de quatro salários mínimos por mês pelo trabalho na operação.
“Eu estava desempregado quando eles (governo do estado) me chamaram e eu aceitei na mesma hora. No início eu não sabia muito bem do que se tratava, mas logo após as primeiras reuniões eu comecei a entender bem. Nós trabalhamos durante a noite, pelo menos três vezes por semana, e, além de ser gratificante, isso ajuda muito a gente e mostra que nós somos capazes”, disse ele.
Quando se trata de teste do bafômetro, multas, prisões e apreensão de carros e carteiras de motorista, as reações, segundo Geraldo, vão de risadas a escândalos e xingamentos: “Teve uma vez que um homem bêbado parou com o carro e durante a abordagem dormiu na calçada, ele foi acordado e ainda tentou fugir com o carro, arrastando até os cones. Acabou na delegacia”, disse.
Anjos da guarda
Com a sua cadeira posicionada ao lado da tenda, o mecânico Márcio da Silva Alcântara tentava chamar a atenção das pessoas, algumas até com sinais de embriaguez. Ao ser questionado como classificaria a sua função no meio de tantos agentes, ele respondeu sem titubear: “me sinto como um anjo da guarda”.
Atualmente, cerca de 30 cadeirantes participam da Operação Lei Seca no Rio. Além das blitzes, eles também realizam palestras em escolas e campanha em bares e estádios. “No começo as pessoas ficavam desconfiadas, mas agora fazemos até amigos”, contou Marcelo.
Dezoito anos após o acidente, Márcio da Silva Alcântara tem planos e sonha até com uma vaga na seleção brasileira paraolímpica de rúgbi. “Agora eu sinto que eu posso mais. Quando a gente fica cadeirante a nossa família também fica. Na época do acidente, meu pai perdeu o emprego e minha mãe largou o trabalho para cuidar de mim. Hoje eu não sou mais aquele homem que passou parte da vida na cama, eu tenho um motivo para viver”, completou ele.