Durante muito tempo o bailarino Elielson Almeida da Silva teve que lidar com o preconceito. “Além de cadeirante, eu tinha que ouvir dos meus amigos que balé era coisa de gay”, relembra. Era início dos anos 2000, e ele entrava no mundo da dança por meio de oficinas voltadas à formação de dançarinos com necessidades especiais, realizadas no Instituto de Artes do Pará (IAP). Dos 30 alunos que fizeram parte da turma inicial, 14 foram selecionados para integrar a companhia de dança Roda Pará.
Depois de mais de uma dezena de espetáculos, Elielson afirma sem medo que o balé mudou sua vida. Viajou pelas principais capitais brasileiras, ganhou prêmios e teve seu talento reconhecido. “Não seguimos o estereótipo do bailarino lindo, mas podemos fazer um espetáculo maravilhoso. O balé melhorou minha auto-estima. Sou um cidadão de fato, reconhecido pelo meu trabalho”, diz.
Criada pelas coreógrafas Sônia Massoud e Marilene Melo, a Roda Pará é um importante exemplo de como a arte pode funcionar como instrumento de inclusão social. A companhia, que atualmente tem Marilene Melo na direção e os bailarinos Assis Nascimento, Dione Lima e Ticiane Duarte, permanece até hoje como único grupo de dança formado por cadeirantes no Pará. “A sociedade precisa ver essas pessoas como artistas, e não como deficientes físicos ou coitadinhos. Mas percebemos que conquistar esse olhar não é fácil. Ainda estamos no gueto, mas precisamos ir além”, avalia Marilene Melo. “A arte funciona como uma espécie de vitrine positiva de pessoas com necessidades especiais. E isso proporciona não só um modelo de sucesso para as pessoas com deficiência, mas ajuda a mudar a concepção da sociedade”, diz Mônica Carvalho, especialista em educação inclusiva e portadora de necessidades visuais.
Segundo ela, este caminho ainda é tortuoso. Iniciativas como o Roda Pará são raras porque portadores de necessidades especiais são negligenciados em sua formação. “Na área cultural a oferta de serviços ainda é muito escassa. O acesso a esses setores é fragmentado e precário. Por exemplo: o acesso ao teatro e ao cinema fica limitado sem o recurso da audiodescrição. Eu que sou cega não tenho plena noção do que está acontecendo apenas com o áudio de um filme”, conta.
A audiodescrição é uma espécie de narração em off que descreve ao cego toda a parte visual da obra, como cenário, personagens e ações. Outras garantias básicas asseguradas por lei também continuam a ser ignoradas, como placas explicativas em Braille (alfabeto tátil para auxiliar a leitura). “Se em coisas básicas e necessárias da vida cotidiana, como botões de elevadores, cardápios ou bula de remédios, não existe descrição em Braille, imagine em museus e outros locais públicos. Somos consumidores, eleitores e pagamos impostos, mas continuam nos excluindo”.
Elielson Almeida da Silva compartilha da mesma experiência. “Nem todos os teatros em que me apresento possuem acessibilidade para cadeirantes. O IAP é o espaço onde me sinto mais à vontade, pois possui rampas de acesso. Já os outros são acessíveis, mas com ressalvas. No Teatro do Sesi, por exemplo, é impossível entrar de cadeira de rodas sem auxílio”, conta.
A acessibilidade em espaços públicos é tímida e avança aos poucos. Recentemente foi assinado um convênio entre a Caixa Econômica Federal e a Secretaria de Estado de Cultura (Secult) para a instalação de um elevador de acesso a cadeirantes no Museu de Arte Sacra e no Arquivo Público do Estado do Pará.
“Mas ainda falta incentivo para artistas com necessidades especiais. Não existem editais específicos. Não é possível fazer tudo por amor à arte”, desabafa Elielson.
EDUCAÇÃO
“É na educação que se percebe o avanço desse processo de inclusão. As maiores barreiras não são físicas, mas estão na mentalidade das pessoas”, afirma Cléber Couto, 40, pedagogo e ator da companhia de Teatro Mãos Livres. Cleber é surdo e se comunica com a ajuda de uma tradutora.
Segundo ele, a inclusão do deficiente físico por meio da arte ajuda não só no ambiente social, mas também no desenvolvimento físico e psicológico do portador de necessidades especiais.
“Para o deficiente, a arte é também um processo pedagógico. Dentro do teatro a gente faz mímica, trabalha com a expressão. É importante para trabalhar com os mais jovens questões como Aids e métodos contraceptivos, por exemplo. Eles entendem melhor o contexto das coisas”, relata.
O professor Sinésio Filho, representante da Associação dos Surdos de Belém, enfatiza que, para os surdos, o desafio é ainda maior, pois eles possuem uma linguagem própria, a Língua Brasileira de Sinais (Libras). “A inclusão do surdo é específica, pois falamos outra língua. Isso pesa no dia-a-dia. É como se fôssemos estrangeiros no nosso próprio país”.
Em prol da educação bilíngüe
Os surdos estão se mobilizando em defesa da educação bilíngüe. A situação se tornou mais urgente após o anúncio de fechamento do Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines), no Rio de Janeiro. Fundado há 154 anos, o instituto é o principal centro de referência para a cultura surda no país, prestando assessoria e elaborando técnicas e materiais pedagógicos específicos.
Para o Ministério da Educação (MEC), oferecer aos alunos surdos escolas especiais seria uma prática segregacionista e os mesmos devem ser absorvidos pelo sistema de ensino regular.
Os protestos começaram ontem (19) em Brasília, com uma mobilização em frente à sede do MEC. Em Belém haverá um ato público hoje (20), a partir das 8h, saindo do Centro Arquitetônico de Nazaré (CAN) em direção à Praça da República. O ato está sendo organizado pela Associação dos Surdos de Belém, entidade que reúne 700 pessoas.
Biblioteca braille em dificuldades
Fundada há 25 anos e uma das referências no ensino e formação de pessoas cegas no Pará, a seção Braille do Centur passa por dificuldades. De acordo com funcionários, as duas impressoras em Braille estão quebradas.
“Isso nos tira a autonomia de ler por conta própria, sem levar em consideração que os lançamentos no mercado editorial em Braille são mínimos. As impressoras são essenciais para que nosso acervo não fique defasado”, afirma Raimundo do Vale Lucas, 66, responsável pela seção há 25 anos.
Contando com cerca de mil textos e livros em Braille e cinco mil no formato eletrônico, o acervo abrange literatura, livros didáticos, revistas e jornais. Além disso, oferece obras em formato sonoro, em fita, CD e MP3.
A seção Braille fica no subsolo da Biblioteca Pública Arthur Vianna, na avenida Gentil Bittencourt, 650. O horário de funcionamento é de segunda a sexta, de 8 às 19h. (Diário do Pará)