É o que revela a segunda etapa do levantamento de informações socioeconômicas das pessoas com deficiência no município de Uberlândia. O estudo desenvolvido no ano passado pelo Centro de Pesquisas Econômico-Sociais (Cepes) do Instituto de Economia da UFU aponta que a falta de acessibilidade é a principal barreira para a livre circulação das pessoas com deficiência no Município.
A falta de rampas em esquinas e em edifícios e de elevadores nos prédios foram citados por 441 entrevistados (18,9%), como sendo os obstáculos físicos, depois da má conservação de ruas e calçadas, que mais restringem o ir e vir.
A partir dos dados da Secretaria de Trânsito e Transportes (Settran) sobre a gratuidade no transporte público concedida às pessoas com deficiência, os pesquisadores chegaram a um universo de 5.737 cidadãos. Destes, 64,8% (2.322 pessoas) citaram até três dificuldades para circular pela cidade. O recorte foi dado com ênfase na escolha de pessoas com deficiência que moram no perímetro urbano de Uberlândia e que estão na faixa etária dos 13 anos aos 64 anos, intervalo que compreende a população economicamente ativa.
Acompanhada de uma pessoa com deficiência física, a reportagem do CORREIO de Uberlândia percorreu de cadeira de rodas alguns pontos considerados críticos pelos cadeirantes no Centro de Uberlândia, saindo de ônibus da porta da Associação dos Paraplégicos de Uberlândia (Aparu), no bairro Jardim Patrícia, setor Oeste, e seguindo até a praça Tubal Vilela.
Números da pesquisa
Dos 3.581 entrevistados que responderam o questionário completo:
39,43% têm deficiência física
28,26% deficiência mental;
12,12% deficiência visual;
9,72% deficiência auditiva;
8,94% deficiência múltipla;
1,42% outras
0,11% (4 entrevistados) não marcou nenhuma alternativa.
Pequenos desníveis exigem esforço em dobro
“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.” O poema do mineiro Carlos Drummond de Andrade sintetiza a experiência de andar numa cadeira de rodas no Centro de Uberlândia. A pedra do paralelepípedo, da escadaria ou a pedra de asfalto ou da rampa de acessibilidade desnivelada cria barreiras quase intransponíveis. Poucos centímetros de altura já são suficientes para formar um obstáculo complicado para quem não tem o costume e a habilidade para empinar e girar as rodas ao mesmo tempo sem correr o risco de cair para trás. “Levei uns oito meses para aprender a andar na cadeira de rodas”, afirmou o vigilante aposentado João Batista de Lima.
Coisas simples, como atravessar a rua com o sinal verde para o pedestre na esquina da rua Duque de Caxias com a avenida Afonso Pena, por volta das 15h em um dia de semana, transformam-se em uma aventura sobre a cadeira de rodas de paratleta, sem freio, cedida pela Aparu. A má conservação do piso na rampa da esquina, o declive da rua e a grade da boca de lobo são empecilhos para quem não é cadeirante. O senso de sobrevivência fala mais alto e o pé acaba dando uma força para equilibrar a cadeira e chegar até o outro lado da rua são e salvo.
Vaga no ônibus somente para uma cadeira
Antes de enfrentar as dificuldades para circular pelo Centro de Uberlândia, saí acompanhado da deficiente física Sueli de Sena Oliveira. Ela sofreu acidente de trânsito em 2001, em Goiânia, e perdeu os movimentos das pernas. Sueli disse que foi muito difícil aprender a se movimentar com cadeira de rodas, depois do acidente. “Quando estava começando a andar na cadeira de rodas, eu caí para trás e fraturei a (medula) cervical. Foi a mão de Deus que não me deixou tetraplégica”, disse.
Na porta da Aparu, pegamos o ônibus da linha Luizote de Freitas/Terminal Central, adaptado para pessoas com deficiência física. O motorista e a cobradora são atenciosos e fazem o procedimento do elevador com cordialidade. O veículo, no entanto, só tem espaço para uma cadeira de rodas, que é ocupado pela aposentada Sueli de Sena Oliveira. Sem um lugar apropriado para a segunda cadeira de rodas, me levanto e sento no assento convencional. Os passageiros estranham, alguns riem, mas explico que é uma reportagem do CORREIO de Uberlândia para mostrar as dificuldades dos cadeirantes.
“Os veículos são adaptados para uma cadeira (de rodas). São casos excepcionais de ter dois cadeirantes ou mais no ponto. Caso coincida, basta um deles esperar o próximo ônibus. Temos que pensar que o espaço também é para o transporte de outras pessoas e a maioria não é cadeirante”, afirmou o secretário-executivo da Secretaria de Trânsito e Transportes (Settran), Marconi Santos.
Prédio do Psiu não tem acessibilidade
Chegamos à praça Tubal Vilela, endereço do prédio público que mais provoca reclamações sobre a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência física em Uberlândia, o Posto de Serviço Integrado Urbano (Psiu). Para atravessar a Afonso Pena, contamos com a ajuda de um agente da Settran, pois o sinal ficou verde para os veículos enquanto ainda estávamos no meio da rua.
Paulo Augusto |
Pessoas com deficiência não têm acesso aos serviços disponíveis no posto do governo, na praça Tubal Vilela |
Na porta do Psiu, aguardamos dez minutos até que um funcionário nos atendesse na porta. O responsável pelo Psiu uberlandense disse que não daria entrevistas. Questionado sobre como a aposentada Sueli de Sena Oliveira deveria proceder caso tivesse necessidade de fazer a segunda via da Carteira de Identidade, por exemplo, o funcionário respondeu: “se tiver condições, pode subir”.
O outro lado
A Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), órgão responsável pela administração do Posto de Serviço Integrado Urbano (Psiu), por meio da assessoria de comunicação, informou que uma nova sede da unidade uberlandense será locada em um imóvel com acessibilidade para deficientes físicos. Segundo a Seplag, a mudança será realizada em 2010, mas a data ainda não foi definida. Em nível estadual, o Psiu passou a se chamar Unidade de Atendimento Integrado (UAI) e 12 unidades já foram inauguradas no estado com acessibilidade para pessoas com deficiência. “O Ministério Público entrou com execução contra o estado para garantia de acessibilidade no Psiu, que é um dos principais prédios públicos sem acessibilidade em Uberlândia”, afirmou o promotor Lúcio Flávio de Faria e Silva.
Escolas precisam se adequar para cadeirantes
O Psiu não é o único órgão público estadual sem acessibilidade em Uberlândia. A rede estadual de ensino também não está apta a receber alunos que utilizam cadeira de rodas. “Das 67 escolas estaduais, excluindo a Nova Horizonte, todas terão que passar por avaliação para verificar se está de acordo com a norma. Algumas estão em construção ou reforma, mas nenhuma escola terminou a obra. Encaminhamos recursos (R$ 4 mil) para as escolas contratarem engenheiros para fazerem os projetos de adequação”, afirmou o superintendente de ensino de Uberlândia, Joyce Magnini.
Cerca de 70 ações civis públicas foram movidas pelo Ministério Público contra o estado de Minas Gerais. “As ações foram propostas em 2008. Algumas foram julgadas procedentes e o estado recorreu. Mas vamos obter êxito. A norma de acessibilidade tem de ser cumprida e o estado não pode querer descumpri-la”, disse o promotor. “As escolas estaduais recebiam o recurso e faziam adequações sem informação, sem conhecimento técnico e sem obedecer à norma de acessibilidade. Pedimos que projetos de adequação fossem feitos e submetidos à análise e à aprovação do núcleo”, afirmou o coordenador do Núcleo de Acessibilidade da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, Idari Alves da Silva.
Ônibus do SIT passaram por melhorias
A segunda etapa da pesquisa do Centro de Pesquisas Econômico-Sociais (Cepes) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) sobre informações socioeconômicos das pessoas com deficiência foi desenvolvida antes de a frota do Sistema Integrado de Transporte (SIT) ser totalmente adaptada para acessibilidade em agosto. Da primeira fase da pesquisa realizada em 2004 até a segunda parte no ano passado, as dificuldades no transporte diminuíram, segundo a pesquisa do Cepes. “Houve expressiva diminuição da demanda por transporte adaptado. Na primeira fase, do total de 2.253 pessoas com deficiência que afirmaram enfrentar uma ou mais dificuldades de acesso na cidade, 26,73%, citaram a “falta de transporte adaptado”, como a principal dessas dificuldades”, menciona o relatório da pesquisa.
“Ações importantes têm sido feitas no sentido de inclusão, como no transporte adaptado, para levar a pessoa com deficiência para a escola, curso. Temos o desafio de tirar a pessoa da casa dela e fazer com que ela tenha condições de sair e fazer um curso”, afirmou a economista e coordenadora da pesquisa do Cepes, Ester William Ferreira.