PARAIBA

Jovem supera deficiência física e paralisia mental e lança livro

“Nasci negro, na periferia de Salvador. Fui o quinto filho de um casal com problemas financeiros e amorosos, que na maioria das vezes tentava resolvê- los de forma primitiva”.


Nascido em Salvador, Gilvã, mesmo com tantas dificuldades na vida, não perde a chance de dar uma boa risada
(Foto: Marina Silva)

Quem conta a história de Gilvã Mendes, 24, é ele mesmo. “Enquanto meus irmãos apanhavam para aprender as lições da escola, eu olhava os livros feito um cão que deseja um frango de padaria”.

{accesstext mode=”level” level=”registered”}
PARA CONTINUAR LENDO A MENSAGEM REGISTRE-SE OU ENTRE NA SUA CONTA.||

Os trechos fazem parte de ‘Queria brincar de mudar meu destino’, obra que o jovem poeta e escritor lançou oficialmente na terça-feira (16) à noite, na Saraiva MegaStore do Salvador Shopping.

Vaidoso e brincalhão. Querido pelos amigos do bairro de Santa Cruz. Adora uma feijoada, cozido e quiabada. Inteligente. Muito inteligente. Gilvã nasceu com paralisia cerebral, mas a doença foi só mais um obstáculo para o menino sedento de conhecimento.


Gilvã tem um sonho: ajudar a família a ter uma vida melhor. Ele também já está pensando no próximo livro, que vai ter o amor como tema
(Foto: Marina Silva)

“Eu enfrentei muita dificuldade na minha vida. Entrei na escola muito tarde. Mas aos 12 anos, eu já escrevia poesia e música e, com o passar do tempo, decidi contar minha história”, afirma Gilvã, com a fala difícil, prejudicada pela doença, assim como os movimentos dos membros.

As mais de cem páginas do livro foram digitadas com uma mão só em um computador doado, que certa vez deu problema e ele perdeu tudo que tinha escrito.

O jovem aprendeu a ler, escrever e contar dentro de casa, pela mãe, a funcionária pública Teresinha Mendes, 48. “As escolas não aceitavam ele, nem as públicas, nem as particulares. Ele teve uma infância difícil, não podia competir como os outros”, relembra.

Poesia
Queria brincar de mudar meu destino é um livro de memórias, intercalado por poesias. A qualidade do texto em prosa impressiona, sendo comparado ao de grandes escritores brasileiros.

Mesmo assim, a paixão de Gilvã são os versos. “Comecei como poeta. Eu amo a poesia, é minha primeira e verdadeira paixão mas, infelizmente, no nosso país ela não dá dinheiro”.

A preocupação é real. Gilvãmora no bairro de Santa Cruz, numa humilde casa com quatro irmãos e os pais. “Tenho muitos sonhos. Penso em ajudar minha mãe e escrever meu segundo livro”.

De acordo com ele, o tema será o amor. “É o que faz a vida valer a pena”, acredita. As lições de Gilvã são muitas. “Não importa quando, onde, ainda vale à pena lutar por um ideal, correr atrás de um objetivo. Quando a gente sonha, a gente pode tudo. Posso sonhar, viajar, mesmo numa cadeira de rodas”, ensina.

‘Através desse livro, posso ajudar minha mãe, independente que eu esteja numa cadeira de rodas, numa cama, na periferia. O valor das pessoas não está na condição física ou na situação de sua vida. Está no que ela faz, no que ela representa. Cadeira não é sinônimo de inutilidade”.

Ele é o maior exemplo de suas próprias palavras. Começou na Escola Sociedade Beneficente e Cultural de Amaralina (para onde ia carregado), depois foi para a Colégio Municipal Teodoro Sampaio, onde hoje a biblioteca leva seu nome.

Como ele viu a homenagem? “Com os olhos!”, soltando uma risada. “É a valorização de algo que fiz, uma homenagem da comunidade para toda a vida”. O caminho seguiu pelo Colégio Manoel Devoto até a a faculdade FTC, onde cursa letras.

Celebridade
Entre uma frase e outra de Gilvã, passa um conhecido na rua. “E aí, Gil? Te vi na televisão!”. O apelido é para poucos. “As mulheres me chamam assim, principalmente. Não pode ficar dando intimidade pra homem”.

O jovem escritor ri à toa. “Já tinha imaginado estar nos jornais e na TV, mas não tanto”, revela ele, que foi tema de matéria especial no programa Aprovado, da TV Bahia.

“Tô gastando minha beleza!”, declara. Pode se acostumar, garoto… História de Gilvã Mendes pode parar nas salas de cinema O jornalista e escritor paulista Gilberto Dimenstein, 53, autor do clássico O cidadão de papel, conheceu Gilvã através da ONG Cipó.

“Eu soube que ele tinha como sonho escrever um livro”, conta ele, por telefone. “Todo o talento era dele, só dei um pouco de ajuda, coloquei- o em contato com a editora”.

Para o jornalista, o livro é um depoimento de amor pela escola. “Não lembro de um relato tão emocionante sobre a vontade de estudar”, opina. Com trabalhos voltados à educação, Dimenstein não hesita em indicar Quero brincar de mudar meu destino como uma obra para estar nas escolas.

“Considero ele um marco da literatura jovem no país”. Gilvã reconhece a importância do auxílio de Dimenstein.“ Ele foi meu mecenas, financiou o projeto e me deu muitas dicas. Tenho uma dívida de gratidão muito grande com Gilberto Dimenstein”, declara o jovem escritor.

O jornalista não poupa elogios ao jovem de Santa Cruz. “Para mim, a Bahia ensinou a arte da transgressão e de inovações. Foi assim que aprendi com personagens como Anísio Teixeira, Castro Alves, Caetano veloso, Glauber Rocha, João Gilberto, Gilberto Gil e Gilvã. Embora não tenha a mesma notoriedade, ele mostra, como estas celebridades, o poder transgressor e transformador da palavra”.

Astro de cinema
A vida de Gilvã, inclusive, tem possibilidade de ir parar nas telonas. “Já existe um interesse de levar a história dele para o cinema. Mas está só no começo”, revela Dimenstein em primeira mão ao CORREIO.

“É um relato poético de um sobrevivente. Gilvã é negro, cadeirante, pobre. É muita marginalidade para uma pessoa só. A narrativa dele está no mesmo nível de Anne Frank, não na forma, mas no fato que ambos sobreviveram a um massacre”, compara.

‘As ladeiras e as ruas de Salvador sempre excitavam buscas de aventuras cavalheirescas e contemporâneas de Jorge Amado: jogar capoeira, tomar um bom trago de cachaça vagabunda, fumar pontas de charutos ordinários, uma boa briga de navalha, cair no samba com as neguinhas ou derrubá-las na areia d’alguma praia, coberto pelo manto prateado da mãe noite e ao som choroso da seresta do mar, que é o quebrar vagaroso das ondas nos arrecifes.

As ladeiras e as ruas daqui são como portais para as aventuras mais quiméricas dos vagabundos, malandros, putas, poetas e dos Capitães da Areia – foi assim que Jorge Amado me apresentou às ladeiras e ruas de minha cidade. Eu estava cabalmente fascinado por elas. Ah, queria mergulhar nelas! Não sabendo eu que mais tarde isso aconteceria… ‘

Trecho de Queria brincar de mudar meu destino

Livro Queria brincar de mudar meu destino
Autor Gilvã Mendes 
Editora Papirus 
Preço R$29,90 (112 págs)

{/accesstext}

Related posts

Especialistas consideram autismo como ‘síndrome comportamental’

Eraldobr

Detran-BA alerta sobre isenção para deficientes

Eraldobr

Peça oferece acessibilidade total para deficientes físicos

Eraldobr

Leave a Comment