PARANÁ

Pesquisas portadoras de deficiências*

Uma pesquisa recente, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina -Sistema FIESC, procura demonstrar que o número de pessoas com deficiência seria insuficiente para que as empresas cumpram a Lei 8.213, a Lei de Cotas. E acirra um debate no qual quem sai perdendo, de cara, é a sociedade. Pois, apesar do fato de que a metodologia empregada na pesquisa não traz maiores garantias acerca da universalidade dos dados, fica demonstrada de antemão a dificuldade de assimilação que ainda paira sobre o direito das pessoas com deficiência ao trabalho.

Apenas ilustrando o quanto esses dados são insuficientes para demonstrar situações que se observam em outros locais do Brasil, outra pesquisa finalizada pelo Núcleo de Promoção da Igualdade de Oportunidade e de Combate à Discriminação no Trabalho da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Osasco e Região **, também recente, aponta dados de ocupação do percentual destinados às cotas chegando a 96,8%, enquanto que nos municípios pesquisados pela FIESC o percentual mínimo de cotas não seria nem atingido, representando 0,78% da população nos municípios pesquisados – Joinville, Blumenau, Brusque, Gaspar, Capinzal, Correia Pinto, Lages, Otacílio Costa e Ouro.

Qual seria a explicação para tal disparidade? Como uma região consegue preencher quase integralmente a cota de 5% de empregos destinados às pessoas com deficiência e outra região fica abaixo da metade da cota e não chegaria sequer ao percentual mínimo previsto legalmente, de 2%? Uma das hipóteses a aventar seria a de que se tratam de regiões com grande disparidade sócio-econômica. Mas Santa Catarina tem o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e, portanto, não se encaixa nesta possibilidade.

Outra hipótese seria a levantada pelo presidente da Câmara de Relações Trabalhistas da FIESC, Durval Marcatto Jr, que afirma que há um alto percentual de pessoas com deficiência que não querem ingressar no mercado de trabalho, somado a outro, de pessoas sem qualificação: “Os dados evidenciam o que as empresas já sentiam na prática. Elas não têm como cumprir a Lei de Cotas. Agora vamos levar os dados para as autoridades para buscarmos a melhor forma de lidar com a questão”**. Seria isso mesmo possível? Por que existiriam pessoas que não querem ingressar no mercado de trabalho e por que elas seriam excluídas do universo pesquisado, aqui sem trocadilhos? Será que por haver um processo social em questão que não estimula as pessoas com deficiência ao acesso à educação e processos de formação laboral, essas pessoas deveriam ser eliminadas do percentual dos que poderiam candidatar-se às cotas? Como explicar, ainda, que Santa Catarina tenha simultaneamente o melhor IDH do país e o pior índice de cumprimento da Lei de Cotas (3,5%), segundo dados do Ministério do Trabalho? As pessoas com deficiência poderiam estar num universo e não no outro? Por si só, isso já não seria um tipo de discriminação? A proposta da FIESC em discutir essas questões, enfim, visa modificar esse contexto em algum aspecto?

Infelizmente ainda não é possível responder as questões suscitadas por essas informações sem que outras sejam formuladas. É preciso que, antes de procurar resumir rapidamente dados sociográficos com vistas a comprovar preliminarmente qualquer tipo de hipótese, a sociedade assuma para si o debate público sobre ações afirmativas e recuse qualquer medida apressada, principalmente quando o objeto a ser modificado são direitos sociais que, ao invés de serem meramente eliminados, necessitam de consolidação e aprimoramento.

Iniciativas que visam desqualificar a Lei de Cotas, justamente num momento em que tramita no Senado o Projeto de Lei nº112/2006, de autoria do senador José Sarney, não estão concatenadas ao tempo social de um país que pretende efetivar direitos e princípios como os estabelecidos pela unanimidade dos congressistas na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cujo efeito deveria ser o de repercutir positivamente no modo como a sociedade inclui e convive com as pessoas com deficiência, em todas as instâncias, inclusive o acesso ao trabalho.

Notas:

* O termo portador de deficiência empregado no título é meramente ilustrativo. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao regime constitucional brasileiro no passado, estabeleceu que o termo correto para denominar as pessoas com deficiência é justamente “pessoas com deficiência”, tendo em vista que a deficiência não é uma condição portátil, mas uma condição de vida.

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