O que o senhor leva para a secretaria da experiência como vereador e presidente da Comissão Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência?
Passei quatro anos me dedicando com afinco à causa dos portadores de deficiência e me especializei nessa questão. Mesmo assim, quando fui convidado para assumir a secretaria, confesso que me assustei. Sei que vou enfrentar grandes dificuldades. Levo para a secretaria a visão do legislativo e a visão de quem passou quatro anos cobrando do Poder Executivo. Esse é um bom diferencial. Sei também que muitas coisas nós não vamos conseguir fazer de imediato, mas a minha visão não é a de quem vem do Executivo. É a de quem passou quatro anos cobrando efetivação do poder público. Sei o que está faltando, o que precisa ser feito. E, se eu não puder fazer, tenho que dar resposta de por que não consegui.
E o que está faltando?
A legislação do Rio de Janeiro a respeito da pessoa com deficiência é uma das melhores do mundo, está entre as cinco melhores da América. Portanto, eu começo a dizer o que não precisa fazer: leis. O que falta é o cumprimento delas.
Na prática, qual o grande problema da cidade em relação aos portadores de deficiência?
Transporte público acessível. Se dermos acessibilidade ao transporte, vamos dar acessibilidade à saúde, à educação, ao lazer. Esse é um problema que demanda uma vontade política, mas também um querer das empresas concessionárias. Fiz um prévio contato com os empresários de ônibus, com diálogos muito avançados. Creio que, já para 2009, vamos ter grandes surpresas na área de transporte. Outro fator que vai contribuir é o decreto do governo federal que estipula um prazo a partir do qual nenhum ônibus pode mais sair da fábrica sem estar adaptado. Esse prazo expirou e, a partir de agora, todos os novos ônibus terão que ser acessíveis. A partir do momento em que a empresa trocar de frota, terá que adquirir ônibus adaptados. E os empresários estão dispostos a fazer isso.
E em relação a frota atual? Praticamente não há ônibus adaptados circulando…
Hoje, no Rio, a realidade é brutal em relação a isso. Na cidade, há apenas 48 ônibus acessíveis. Em São Paulo, só para fazer uma comparação, há 500 ônibus acessíveis e funcionando. Aqui, dos 48, não sei precisar bem, mas acho que nem 13 ônibus adaptados circulam. É uma mostra de que falta vontade política para que a coisa aconteça.
E até que ponto os empresários de ônibus se mostram dispostos a adaptar os veículos atuais?
A conversa que tive com a presidência da Rio Ônibus foi a melhor possível. Eles me prometeram que vão entregar à cidade um número considerável de novos ônibus, já acessíveis, em 2009. Quando falo em acessíveis, falo não só em veículos adaptados para cadeirantes, mas também para idosos, gestantes e quem tem mobilidade reduzida temporariamente.
Como avalia a gestão Cesar Maia em relação aos portadores de deficiência?
Houve graves erros. Basta citarmos o Parapan-Americano. Esse grande evento esportivo mostrou a ineficácia do poder público municipal na questão do tratamento da pessoa com deficiência e o descaso com 15% da população. Vejamos um caso isolado: um atleta paraolímpico argentino morreu em um hospital público depois de passar por outros três hospitais e esperar cinco horas para ser atendido. Por que isso, se no Pan-Americano os atletas eram atendidos por empresa privada?
De zero a 10, qual a nota para a situação da cidade em relação aos portadores de deficiência?
No máximo, quatro. A desordem urbana é muito grande. O novo secretário da Ordem Urbana, Rodrigo Bethlem, será um grande parceiro nosso. Já conversei com ele a respeito, e vamos ter de reeducar a população. Carros nas calçadas, obstáculos que impedem as pessoas de andar e calçamento esburacado são apenas alguns exemplos. A cidade está muito mal conservada e precisa ser reconstruída, inclusive para pessoas com mobilidade reduzida. Costumo dizer que não há pessosa deficiente. Há espaços deficientes.
De vereador a secretário, como será passar de pedra a vidraça?
Ser pedra e virar vidraça faz parte da vida pública. Antes de ser vereador, fui ouvidor geral do Detran. Não tenho a expectativa de ser o salvador da pátria. Conheço as limitações do poder público, mas tive uma longa conversa com o prefeito Eduardo Paes. Tenho certeza de que a maneira como ele conduziu o processo e me deixou à vontade para trabalhar mostram um compromisso muito grande com o segmento. Portanto, sei que vou ser muito cobrado, mas não é um compromisso só meu.
O que já dá para dizer que será possível ou não fazer?
O que, certamente, vai dar para fazer será estabelecer um contato, uma parceria real e concreta com outros níveis de governo. Isso não havia na secretaria, que não tinha capacidade de estabelecer parcerias e ampliar atendimentos com o governo do estado e o governo federal. Vamos ampliar o leque de atendimento na área de reabilitação de ponta e também a efetivação dos programas de reabilitação e de políticas públicas. Isso, já digo que vamos fazer. O que não dá para fazer de imediato, por exemplo, é um reparo em toda a frota de ônibus. Isso nós não podemos prometer.
Haverá parcerias com a iniciativa privada?
Quando criei a Lei do Autista, um dos artigos dá a possibilidade de fecharmos convênios e parcerias com universidades, fundações e empresas privadas para que essas políticas sejam aplicadas, no caso de eu não tê-las dentro do município. Portanto, não será por falta de parcerias que não vamos fazer. Se no município eu não puder fazer, vou trazer parceiros privados para nos ajudar.
Como surgiu a idéia da criação da Lei do Autista?
O Ulisses Batista, um amigo meu que é pai de um menino autista, me procurou como vereador e pediu ajuda. Com minha experiência legislativa, sugeri que elaborássemos uma lei a respeito. Ele me ajudou muito a elaborar o texto. Fizemos uma lei pioneira, que consideramos totalmente constitucional, não fere os preceitos e não tem exageros.
Qual a contestação feita pelo ex-prefeito Cesar Maia?
Ele entrou na Justiça argüindo inconstitucionalidade, na minha opinião, por uma razão esdrúxula. Segundo ele, um vereador não poderia ordenar despesas da prefeitura. Isso é criminoso. A Lei do Autista vai representar o Brasil num seminário da ONU. Mas a lei está em vigor e, independentemente disso, agora como secretário, vou implementar essa política pública de tratamento de autistas.
Qual o primeiro passo?
A realização de um seminário. Vamos fazer o chamamento de profissionais da área, do Brasil e do exterior. Eles vão nos ajudar a implementar essa política, que é muito nova. Não haveria como implementarmos isso sozinhos. Tudo será feito com muito cuidado e implicará, entre outras coisas, em capacitação de uma nova geração de profissionais Por isso, poderá ser um processo lento.
Já há previsão de verba para a secretaria?
O orçamento é enxuto, com quadro de funcionários extenso e custo alto. Mas não me preocupo. Os parceiros serão muitos para nos ajudar. Problema de dinheiro existe quando se tem muito (risos). Acredito que a própria causa pela qual lutamos nos ajudará a ter todos os recursos necessários.