A pequena casa na Cohab Cristo Rei, em Várzea Grande, é humilde. A reforma está inacabada , as paredes ainda não foram pintadas e no pequeno jardim existe mato no lugar de flores. Nela moram Andreia Aparecida Guimarães, 29 e seus dois filhos, Ana Luíza de cinco e Otavinho de oito anos de idade. Andreia está desempregada há seis meses e como o seu processo de divórcio ainda está em andamento, ela não recebe pensão. O ex-marido ajuda quando pode. A história dela poderia ser como a de muitas de suas vizinhas, não fosse por um detalhe: Andreia tem deficiência física. Nascida em Cáceres, teve que vir com os pais para Cuiabá com um ano e meio para tratar da poliomielite. Mesmo lutando bravamente contra a doença, hoje Andreia tem que usar um aparelho nas pernas e se locomove com o auxílio de muletas. Ela concluiu o ensino médio, fez alguns cursos de capacitação e trabalhou por dois anos e meio como operadora de telemarketing. “Eu ficava ligando para as pessoas oferecendo linha telefônica”, diz com um grande sorriso no rosto. Seus olhos verdes cintilantes, contudo, revelam uma ponta de tristeza. Andreia explica que ela e outras colegas de trabalho com deficiência física, cerca de 20, tinham a promessa de serem contratadas pela Brasil Telecom, quando o contrato com a empresa terceirizada terminasse, mas foram demitidas um dia antes do encerramento desse contrato. “No fim do expediente, recebemos uma cartinha comunicando a dispensa”, conta Andreia. A empresa, por meio de sua assessoria de imprensa, confirma a dispensa, mas explica que ela ocorreu em função da desativação do setor de call center e acrescenta que alguns funcionários terceirizados foram incorporados, inclusive deficientes físicos. Os funcionários demitidos moveram uma ação coletiva contra a Brasil Telecom e o processo ainda está em tramitação. Andreia, que vive hoje graças ao auxílio-doença no valor de um salário mínimo, conta que a empresa justificou a não contratação dos deficientes físicos – em sua maioria cadeirantes, pelo fato de o prédio não ser adaptado para portadores de necessidades especiais.O professor e historiador Hélcio Maciel (foto), 48, lança ainda este ano um livro sobre o processo de interiorização de Mato Grosso. Há nove anos, Hélcio teve uma lesão na medula, por conta de esgotamento físico e ficou paralítico. “Aos poucos fui perdendo os movimentos, mas resisti enquanto pude. Chegava a me arrastar pela casa, dirigia com dificuldade, mas ia trabalhar assim mesmo”, conta o professor com o típico falar cantado dos cuiabanos mais antigos. Em 29 de dezembro de 1999, véspera de seu aniversário, Hélcio perdeu de vez o movimento das pernas e muito a contragosto foi colocado em uma cadeira de rodas. “Isso não me abateu de jeito nenhum. Até me deu mais forças pra continuar lutando. Eu sou cuiabano legítimo – guerreiro”. Hélcio e Andreia são como cara e coroa de uma mesma moeda. São limitados fisicamente, mas com perspectivas bem diferentes. Hélcio tem carro próprio, frequenta museus, vai ao cinema e gosta de jantar fora. Andreia depende dos irmãos que têm carro para sair e vive a expectativa de ser chamada por um dos muitos lugares onde deixou seu currículo. “Em Várzea Grande não existe o sistema Buscar e são poucos os ônibus adaptados. A maior parte do tempo fico em casa com os meus filhos”. CotasEm 24 de julho de 1991 entrou em vigor, em nível nacional, a Lei 8.213. Também conhecida como Lei de Cotas, ela obriga toda empresa a ter em seu quadro de funcionários 2% portadores de necessidades especiais quando atingir o número de 100 empregados, 3% de 201 a 500, 4% de 501 a 1000 e a partir daí 5%. No caso de descumprimento, a empresa será multada em R$ 1.105,00 para cada funcionário não contratado. Em Mato Grosso, a fiscalização é de responsabilidade dos 89 novos auditores da recém-criada Comissão Regional de Igualdade de Oportunidade de Gênero, Raça, Etnia, Pessoas com Deficiências Físicas e Combate à Discriminação. De acordo com dados fornecidos pela Delegacia Regional do Trabalho, 197 pessoas com deficiência foram inseridas no mercado de trabalho desde 2005. O SINE (Sistema Nacional de Emprego) é o responsável pela capacitação destes trabalhadores. A Superintendente de Trabalho e Emprego do SINE em Mato Grosso, Ivone Lúcia Rosset Rodrigues, informa que existem cursos específicos para cada tipo de deficiência. Segundo a superintendente, desde 2003, 717 deficientes físicos arrumaram emprego em Mato Grosso e que há, inclusive, vagas ociosas. “Para fazer a inscrição no programa, a pessoa deve procurar o SINE (Avenida General Vale, no prédio da antiga Prosol, telefone 3321-9884), com a carteira de trabalho, documentos pessoais e atestado expedido pelo INSS, comprovando a deficiência física”- explica Ivone Lúcia.AcessibilidadeA pergunta que não se cala neste momento é: se existe uma lei que obriga as empresas a contratarem deficientes físicos, se existe um programa de qualificação profissional gratuito oferecido pelo SINE e há escassez de trabalhadores, por que Andreia está desempregada há seis meses? Ela mesma explica: “As empresas só querem contratar pessoas com deficiências mínimas. Tem gente que perdeu o dedo mindinho e é contratado pelo sistema de cotas. Gente como eu – que usa muletas e os cadeirantes são os maiores prejudicados. Sofremos uma espécie de exclusão social”. A superintendente do SINE admite que os deficientes auditivos são mais fáceis de serem inseridos no mercado de trabalho, mas enfatiza que a empresa não escolhe que tipo de deficiente físico vai contratar. Para o presidente da Associação Mato-grossense de Deficientes (AMDE), vereador Mário Lúcio, o maior problema enfrentado pelo deficiente físico é o de acessibilidade. “Os poucos avanços que existem ainda estão longe do ideal. Nossos gestores têm uma mentalidade atrasada e os secretários são incompetentes. As calçadas são estreitas, há muitos buracos nas ruas e o transporte é deficitário” acusa o vereador. Ele mesmo um deficiente físico, Mário Lúcio conta que desde 1988, quando foi implantado o sistema Buscar, a frota continua com o mesmo número de carros. “Se o transporte fosse eficiente e as escolas tivessem estrutura, a Lei de Cotas não seria necessária. A sociedade e, em especial, os empresários têm que perceber que o deficiente também produz lucros”, afirma.
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