Namoro entre adolescentes especiais é possível, mas requer supervisão e a compreensão das famílias, de acordo com psicóloga
A arquiteta Stella de Orleans e Bragança ficou preocupada quando viu sua filha Maria Cristina, 17, de mãos dadas com um rapaz de 25. “Que namoro, mãe? É só beijo na boca”, tentou tranqüilizar a estudante, portadora da síndrome de Down – assim como o rapaz.
Mas a frase moderninha de Maria Cristina não afastou os temores da mãe. “Ela tem corpo de mulher, desejos de adolescente, mas um lado ainda infantil. Sua maturidade para o assunto [sexualidade] é de uma menina de 11 anos. Respondo tudo o que ela pergunta, mas ainda não a vejo namorando. Aprendo a cada dia, sem pensar no futuro”, diz Stella.
Para quem tem filhos com necessidades especiais, a adolescência é uma fase crítica, por causa da puberdade e da constatação de que, sem perder a inocência, uma criança passou a ter corpo de adulto.
Iranice Pinto conta que seu filho Paulo Igor, 14, “está se descobrindo”, o que às vezes cria situações embaraçosas. “Ele se toca em qualquer lugar. E é esperto e indiscreto: manda beijos para as meninas, diz que são lindas”, relata ela, presidente da Associação Mão Amiga, que atende a autistas no Rio.
Seu esforço e do Instituto Ann Sullivan, onde o menino estuda, é para mostrar a ele que há coisas que podem ser feitas em alguns lugares, mas em outros, não. Paulo Igor tem síndrome de Asperger (forma branda do autismo) e hiperlexia – lê jornais e revistas desde os 2 anos. Mas isso não garante que vá aceitar as convenções sociais facilmente.
O psiquiatra Raymond Rosenberg, 63, diz que um autista não tem o que poderia ser chamado de desejo sexual. “Ele mal conhece seu próprio corpo, o que leva às auto-agressões.” A satisfação possível viria da masturbação. Já autistas leves podem conseguir algum envolvimento sexual e afetivo, diz.
Famílias próximas
A psicóloga Marilene Consiglio Campelo ressalta que, para vingar um namoro entre adolescentes especiais – os com pouco déficit de inteligência, pois nos casos mais graves seria praticamente impossível -, são necessárias a supervisão e a compreensão das famílias.
“Há pais que lidam mal com a própria sexualidade e vêem os filhos como anjos assexuados”, diz a coordenadora da escola Indianápolis, de São Paulo.
Aluna da escola, Camila, autista não-verbal de 14 anos, tem sido educada a não tirar a camisa em público ou fazer outros atos que, há pouco tempo, não trariam constrangimentos. Ela passou por momentos difíceis nas primeiras menstruações.
“Ela não queria usar absorvente, incomodava. Eu e meu marido conversamos com os médicos e decidimos suspender a menstruação através de remédios. Hoje, ela está muito melhor. É preciso ver a relação custo-benefício. Quero que minha filha seja feliz”, diz a advogada Cristina Arnone.
Esse mesmo objetivo norteou os cuidados da psicóloga Suely Viola com seu filho Breno, que tem síndrome de Down. Hoje com 26 anos, é independente em vários aspectos e já teve relações sexuais.
“Ele teve namorada na adolescência, mas a mãe da menina não permitiu. Até hoje fala dela. Breno não deu trabalho na época porque estimulei a auto-estima dele desde pequeno. O preconceito começa em casa. Os pais não têm que aceitar os filhos [especiais], mas amá-los.”