SÃO PAULO

Transporte de passageiros: referência nacional

Com mais de 60 milhões de usuários por ano e 395 ônibus em circulação, o sistema de transporte público de passageiros de Uberlândia tornou-se referência para outras cidades brasileiras. Os terminais e as estações que se integram, as faixas e os corredores exclusivos para ônibus e a acessibilidade chamam a atenção de publicações especializadas nacionais e internacionais e de gestores municipais interessados em melhorar o serviço em suas cidades.

Pelo novo conceito de transporte urbano, o sistema recebeu em 2009 o troféu do Mérito Municipalista, da Associação Brasileira de Municípios (ABM), que destaca o fortalecimento da qualidade de vida nas cidades.

Desde então, a Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (Settran) recebe frequentes visitas de gestores, profissionais e estudantes que querem ver o que foi feito na cidade mineira de 634 mil habitantes.

Na sexta-feira (28), alunos do curso de Turismo do Instituto de Educação Superior de Brasília participaram de uma apresentação feita por servidores da Settran e conheceram o Corredor Estrutural da avenida João Naves de Ávila.

No dia 20 de maio, o presidente da Companhia de Engenharia de Transportes e Trânsito da prefeitura de Cascavel (PR), Jorge Luiz Lange, também conheceu o sistema. “Há alguns meses, participei de uma apresentação sobre o trabalho desenvolvido em Uberlândia e fiquei impressionado”, disse Lange, à época.

O modelo de serviço chamou a atenção também do secretário Municipal de Trânsito e Transportes de Maringá (PR), Walter Guerlles, que reforçou a lista de visitantes. Ele esteve na cidade, no início do mês passado, com o objetivo de obter subsídio para a elaboração de um novo Plano Diretor de Transportes para a cidade paranaense. “Estamos andando por diversas cidades e avaliando os resultados das melhores. O sistema de Uberlândia certamente está entre os melhores, juntamente com Goiânia, Curitiba e Bogotá, na Colômbia, e vai nos ajudar a criar melhores critérios para o nosso. É uma boa forma de atender à população”, afirmou Guerlles.

O planejamento do Sistema Integrado de Transportes (SIT) de Uberlândia começou a ser feito em 1991, durante a elaboração do Plano Diretor da cidade, aprovado em 1994. A implantação do sistema ocorreu em julho de 1997, após a construção dos terminais de integração.

SIT abriu fase de mudanças

A implantação do Sistema Integrado de Transporte (SIT) foi o primeiro grande passo para a melhoria da qualidade do serviço em Uberlândia. Mas foi a partir de setembro 2006, que o sistema da cidade passou a chamar a atenção, com a abertura do corredor estrutural da avenida João Naves de Ávila, que servirá de modelo para mais quatro corredores, com previsão de implantação até o fim de 2012. O projeto está avaliado em R$ 110 milhões, segundo o secretário de Trânsito e Transportes, Paulo Sérgio Ferreira.

“Foi uma decisão política investir fortemente em transporte público e um choque de modernidade para Uberlândia. Pelo crescimento da frota [de veículos de passeio] da cidade, que hoje está em cerca de 10% ao ano, sabíamos que logo a população ia sofrer com o trânsito. A decisão da prefeitura foi investir em qualidade, para manter o usuário no sistema público e atrair quem usa carro ou moto”, disse o secretário.

Licitação permitiu avanços

De acordo com o secretário Paulo Sérgio Ferreira, foi por meio da licitação para a troca das empresas que operavam no transporte de passageiros na cidade que a prefeitura pôde reestruturar o sistema. “Tínhamos gravíssimos problemas, como a idade média da frota, duas empresas operando com altos índices de reclamações, omissões de viagens, problemas de operação e até na estrutura de fiscalização. No edital, procuramos resolver todos eles.”

O edital da licitação levou cinco anos para ser concluído, em 2009, depois de sucessivas renovações de contratos com as antigas concessionárias e entraves na Justiça. O prazo da concessão do transporte público é de 10 anos e pode ser renovado pelo mesmo período.

Foi estabelecido que as empresas, para operarem em Uberlândia, deveriam ter boa capacidade financeira, histórico de serviço, além de oferecer frota mais nova, com motores menos poluentes e 100% adaptada a usuários com deficiência física. Enquanto estiverem no sistema, elas estão obrigadas a renovar a frota, cuja idade média máxima não pode ultrapassar 5 anos.

A estimativa do diretor de uma das empresas que operam na cidade, Leandro Gullin, é de que a viação já investiu R$ 30 milhões no sistema e que, nos próximos cinco anos, sejam investidos mais R$ 30 milhões, se a frota não aumentar. “Uberlândia é a segunda maior cidade do interior do Brasil e acreditamos no seu potencial de crescimento”, disse Gullin.

Área menor, serviço melhor

A cidade foi divida em três setores para a operação das empresas, cada uma com frota de até 132 veículos. Segundo Paulo Sérgio Ferreira, a setorização foi adotada como estratégia para que as empresas prestassem um serviço mais eficiente, com uma estrutura menor e atuando em uma área também menor.

“Também foi pensada a questão da concorrência, já que cada uma se esforça para superar a qualidade das outras. Com isso, conseguimos reduzir o tempo de viagem e as reclamações dos usuários. Ainda temos reclamações, mas a população tem sentido a cada dia a melhoria”, afirmou.

Todas as linhas são acompanhadas por GPS – sistema de monitoramento por satélite -, o que garante, por exemplo, que o motorista cumpra o trajeto sem ultrapassar a velocidade permitida e parando em todos os pontos previstos. “Temos o controle total dos veículos em circulação”, disse o secretário.

Reportagem constata falhas

Mesmo com todos os avanços, ainda há gargalos e deficiências a serem corrigidas no transporte de passageiros da cidade. A reportagem do CORREIO de Uberlândia percorreu os cinco terminais de ônibus da cidade em uma tarde, saindo às 14h20 do Distrito Industrial. Seis linhas foram usadas e, em quatro delas, a viagem foi feita em pé, com ônibus cheios.

A pior delas, em conforto, foi entre o Terminal Central e o Terminal Planalto, por volta das 17h15, com o ônibus superlotado e curvas feitas em alta velocidade. A experiência terminou por volta das 19h.

O secretário Paulo Sérgio Ferreira reconhece que nem tudo está perfeito no sistema, principalmente em horários de pico, que concentram veículos superlotados nas linhas de maior movimento. Por isso, a Settran, juntamente com as empresas de ônibus, estão realizando uma pesquisa sobre a origem e o destino dos passageiros, para que toda a malha e linhas possam ser refeitas. “Nos próximos seis meses, depois que a pesquisa estiver concluída, vamos fazer uma readequação em horários e até no número de veículos, se for necessário”, afirmou Paulo Sérgio.

Sobre a superlotação nos ônibus, o secretário disse que os 100 fiscais da Settran trabalham em três turnos para evitar que a capacidade máxima dos veículos, informada no interior dos mesmos, seja extrapolada.

Em três ônibus usados pela reportagem, devido à grande quantidade de pessoas que estavam dentro dos veículos, não foi possível fazer a contagem. Ainda assim, o secretário reafirmou que, por se tratar de uma questão de segurança do passageiro, a fiscalização feita nos terminais é suficiente.

Atendimento ainda gera reclamações

Uma das principais queixas dos usuários de ônibus entrevistados pelo CORREIO é o tratamento que recebem de cobradores e motoristas, especialmente quando o passageiro é idoso ou deficiente físico. “Por causa do edital [de licitação], tivemos de absorver funcionários que já estavam no sistema em outras empresas. Eles não recebiam treinamentos e esta foi uma das nossas maiores dificuldades”, disse o diretor da Sorriso de Minas, Leandro Gullin.

Para conscientizar os funcionários da necessidade de prestarem um bom atendimento, a empresa promove a troca de papéis. “Fazemos treinamentos que levam o cobrador e o motorista para ser usuário do sistema, às vezes passando pelas dificuldades de idosos e deficientes. Já pusemos motoristas em cadeira de rodas ou com venda nos olhos, para entenderem a realidade do usuário”, afirmou o diretor.

Sindicato

De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Público de Uberlândia, Célio Moreira, as condições de trabalho a que estão expostos cobradores e motoristas os levam ao estresse, o que pode refletir no trabalho.

“Lidamos com muitos problemas e pressão contínua. Muitos ficam com os ‘nervos à flor da pele’, porque não podem descansar direito entre uma volta e outra. Mas em qualquer profissão existe quem atende bem e quem atende mal”, disse o sindicalista.

Sobre as greves realizadas quase todos os anos antes da data-base da categoria, Célio Moreira afirmou que a pressão sofrida pelos trabalhadores é um dos principais motivos. “Queremos melhores condições de trabalho. Neste ano, especificamente, foi em função de descumprimento de acordos anteriores. Nem sempre a questão é salarial, mas sim ligada a outros direitos”, afirmou.

Demora em trajetos longos é compensado no bolso

Moradora da região oeste, no conjunto habitacional conhecido como Embra, a auxiliar de saúde bucal Anaí Ferreira Santana, 40 anos, usa oito ônibus todos os dias para trafegar entre sua casa e o trabalho. No primeiro, por volta das 6h, ela vai até o Terminal Planalto. No segundo, até o Terminal Central, de onde pega o terceiro veículo para o Terminal Santa Luzia.

Finalmente, a trabalhadora pega o quarto ônibus para o bairro Aurora, onde trabalha. Se sair de casa bem cedo, a viagem demora no máximo uma hora e meia, mas, no fim de tarde, o trajeto de volta raramente é feito em menos de duas horas.
Anaí Santana tem carro, mas prefere para usá-lo nos fins de semana, com a família, para percorrer distâncias menores. “Ficaria muito caro ir para o trabalho de carro. A vantagem de usar o ônibus é que eu pago uma passagem só. Muita gente reclama do preço da passagem, mas eu não acho cara”, afirmou.

Apesar de considerar o serviço eficiente, a usuária faz ressalvas quanto à limpeza dos veículos e diz que motoristas e cobradores são “displicentes”. “Eles veem, por exemplo, que o ônibus está lotado, que não cabe mais ninguém, mas mesmo assim deixam outras pessoas entrar. Além de ser desconfortável, é perigoso.”

Frota é 100% acessível a deficientes

Paulo Augusto

Janilda Ferreira está satisfeita com a acessibilidade nos ônibus

O sistema público de transporte de Uberlândia é reconhecido também por oferecer acessibilidade a deficientes físicos em 100% da frota. A operadora de serviço de segurança Janilda Cândida Ferreira, cadeirante que anda de ônibus todos os dias, se diz satisfeita, mas lembra que tudo foi conquistado com muita briga.

“Eu ia quase toda semana ao Ministério Público. Reclamava nas empresas, na prefeitura, foi muito difícil. Só tinha um ônibus adaptado na linha que eu usava. Eu ficava horas esperando por ele. Hoje, isso não acontece mais. Em matéria de transporte, Uberlândia ganha de qualquer cidade grande”, afirmou.

Por outro lado, Janilda Ferreira diz que é preciso maior atenção para a acessibilidade, nas ruas e prédios. “Não adianta andar de ônibus se, quando descemos, não conseguimos nos deslocar.”

Cidade deve ganhar mais quatro corredores

Paulo Augusto

Passageiro espera ônibus na avenida Segismundo Pereira, que deve ganhar corredor

De acordo com o secretário de Trânsito e Transportes Paulo Sérgio Ferreira, a prefeitura espera a liberação de recursos para a construção de mais quatro corredores de ônibus. As verbas virão da Caixa Econômica Federal, do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e do Ministério das Cidades.

Os novos corredores seguirão o modelo da avenida João Naves de Ávila e serão implantados nas avenidas Fernando Vilela e Vasconcelos Costa, ligando o Centro ao bairro Dona Zulmira; na avenida Getúlio Vargas, que sairá do Centro até a região do Canaã e na Segismundo Pereira, saindo da João Naves de Ávila rumo ao bairro Morumbi. O quarto corredor será implantado na avenida João Pessoa e vai atender aos bairros Roosevelt, Santa Rosa, Liberdade e Jardim das Américas, na região norte.

Além dos corredores, outros projetos estão sendo preparados pela Settran. Entre eles, há a criação de um cartão de uso exclusivo para idosos, para que a secretaria saiba o fluxo de uso deste público. “Eles vão usar o cartão se quiserem. Senão, vão continuar andando como andam hoje”, afirmou o secretário.

Outro plano é implantar, nas renovações de frota, um sistema completo de ônibus com pisos baixos. “Assim, os cadeirantes não precisarão nem de elevador. Eles poderão entrar e sair diretamente na calçada no mesmo nível”, disse Ferreira. 

Passageiros opinam sobre o transporte:

“Acho que os ônibus estão melhorando. Não têm mais atrasos como antes. Os que eu pego são pontuais. Não vejo muitos problemas. Para mim, funciona bem.”
Aparecida Fátima Souza Silva, auxiliar de cozinha 

“Falta respeito com as pessoas. Motoristas, cobradores e passageiros precisam ser mais esclarecidos e educados. Também podia melhorar o sistema nos terminais. As pessoas deveriam entrar já com os ônibus vazios. Isso evitaria tumulto, como acontece.”
Milton Gonçalves, vendedor

“Parece que quanto mais caro pagamos, pior o atendimento fica. Além disso, é muita gente que usa, então deveria ter mais ônibus nas ruas. Durante a semana, estão sempre lotados. No fim de semana, não passa ônibus.”
Maria do Carmo Ferreira, vendedora

“Para mim, o transporte público tem sido eficiente, apesar de os ônibus estarem sempre lotados. Não tenho o que reclamar do serviço nem do atendimento, funciona direito.”
Jordan Henrique Silva, estudante

Saiba mais

SIT

Frota
AutoTrans: 131
São Miguel: 132
Sorriso de Minas: 132
Total: 395
(360 operantes e 35 reservas)

Linhas*

AutoTrans: 38
São Miguel: 39
Sorriso de Minas: 33
Total 110

*Maio/2010

Usuários em 2009*

Total – 60.396.637 
Média mensal – 5.033.053 
(*Exceto idosos)

Maiores linhas (em extensão*)

A-434 T. Planalto/Nova Tangará: 108,7 km
D-282 T. Umuarama/Tapuirama: 92,8 km
D-280 T. Umuarama/Cruzeiro-Martinésia: 66,8 km
S-710 Santa Luzia/Floresta do Lobo: 60 km

*Ida e volta

Maiores demandas*

T-131 T. Central/T. Santa Luzia: 358.323
T-121 T. Umuarama/Luizote-Mansour: 219.483
T-120 T. Umuarama/Luizote-Mansour: 217.939
T-132 T. Central/T. Santa Luzia: 183.449

*Março/2009

Horários de pico

Das 6h às 8h
Das 11h às 13h
Das 16h às 19h

Histórico do SIT

Plano Diretor – elaborado em 1991 e aprovado em 1994
Implantação – julho de 1997
Implantação do Corredor Estrutural (da avenida João Naves) – setembro de 2006

Prêmio conquistado em função do SIT
Mérito Municipalista – Associação Brasileira de Municípios – outubro de 2009

Publicações que destacam o sistema
TechniBus – janeiro/fevereiro de 2010
Revista Transporte Atual (CNT) – dezembro/2009
Cartilha Priorização do Transporte Público Coletivo – Frente Parlamentar do Transporte Público – abril de 2009
1000x Architeture of the Américas – 2009 (anual)
Summa + 103 – 2009 (anual)

Visitas técnicas

Representantes de: 
Belo Horizonte  
Brasília (DF)   
Franca (SP)   
Goiânia (GO)   
Maceió (AL)   
Marília (SP)   
Maringá (PR)
Cascavel (PR)   
Palmas (TO)
Ribeirão Preto (SP)  
São José do Rio Preto (SP)

Estudantes do curso de Turismo do Instituto de Educação Superior de Brasília   
Participantes do 48º Fórum Mineiro de Gerenciadores de Transportes e Trânsito – representantes de 15 municípios mineiros

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