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Deficientes querem muito mais do que vaga

O paulistano Cássio Carvalho é formado em economia pela USP e atualmente trabalha como gerente de vendas em uma multinacional de software. Ele sofre de retinose pigmentar (tem apenas 15% da visão nos olhos), o que o torna integrante do grupo de profissionais com algum tipo de deficiência – e, por isso, beneficiado pela Lei de Cotas. “Devido à lei, entrei para uma vaga na empresa como analista de vendas, mas depois migrei para a área comercial”, recorda. Nos cinco anos em que está na empresa, no entanto, não viu seu salário acompanhar o aumento de responsabilidade. “Minha estratégia é adquirir sempre mais funções”, diz ele, que lê por meio de um software no computador e de um aparelho que amplia as palavras em impressos.

A insatisfação do economista de 30 anos em relação ao seu salário e às condições gerais do profissional deficiente no mercado de trabalho o levou a procurar o presidente da empresa em que trabalha para apresentar um plano para melhorar as condições desses trabalhadores.

“Das 15 pessoas que entraram na minha época, hoje só tem sete, em parte porque estavam insatisfeitas com a falta de perspectivas de ascensão e de desenvolvimento do seu potencial”, conta. “Apresentei uma proposta para que ele reavalie as condições de trabalho do grupo e crie oportunidades em termos de cargos e funções. Ele concordou em estudar o assunto e colocar o plano em prática no futuro.”

Carvalho faz parte de um grupo que só cresce. Uma pesquisa feita pela Page Personnel, empresa especializada em recrutamento de profissionais com esse perfil, pertencente ao grupo multinacional Michael Page, aponta que, entre os consultados, 82% dos deficientes se dizem insatisfeitos com emprego. Realizado de 14 de março a 8 de abril, com 243 participantes de diferentes níveis de qualificação – do trabalhador com baixo nível de escolaridade ao altamente habilitado -, a pesquisa apresenta dados como a alta rotatividade.

Do total dos que responderam à enquete, 33% já trabalharam em cinco ou mais empresas ao longo de suas carreiras e 21% em quatro companhias. E em um período de mais uma década, 22% trabalharam em cinco ou mais empresas. Dos que saíram do emprego, 39% disseram que não estavam satisfeitos com as atividades que executavam na empresa ou com o clima organizacional (a qualidade do ambiente experimentada pelos empregados da empresa).

“A rotatividade no emprego entre funcionários deficientes é muito alta em comparação a de outros funcionários. Tanto entre qualificados como não qualificados”, afirma o diretor da Page Personnel, Danilo Castro.

“Uma das explicações está justamente na Lei de Cotas, que completa 20 anos em julho: as empresas são obrigadas a contratar deficientes, mas, em geral, só se preocupam em preencher as vagas estabelecidas pela lei para esse trabalhador. Elas têm dificuldade em alinhar as habilidades desses trabalhadores com a função que vão executar e com suas expectativas de progresso”, afirma.

Do total de participantes, os que têm formação superior e pós graduação somam 70%, 21% possuem ensino médio, 7% ainda estão cursando o ensino médio e 2% têm mestrado (stricto sensu). “Eles são desde operadores de call center a economistas com mestrado”, afirma Castro.

“Existem profissionais altamente qualificados nesse grupo no mercado – e não é um público pequeno. As pessoas em geral acham que os deficientes trabalham apenas em empregos operacionais, de baixa qualificação”, observa o diretor da Page Personnel. A visão dos gestores de empresas também não é muito diferente, acrescenta. “O gestor não enxerga esse profissional como alguém que vai galgar posições dentro da companhia, mas que está lá apenas para preencher uma cota.”

Mas nem todos os profissionais qualificados procuram a Lei de Cotas para conseguir um emprego. É o caso da economista Adriana Garcia Leme, que tem diploma pela Unicamp e especialização em gestão de empresas. Ela possui uma má formação congênita na mão esquerda.

Adriana está desde 2007 em uma multinacional de telecomunicações exercendo a função de coordenadora financeira. Ela diz que, nos 12 anos em que está formada, passou por quatro empresas – ou uma média de três anos por emprego. “Sempre procurei boas oportunidades, mas nunca busquei vagas especificamente para deficientes”, diz.

A campineira de 35 anos, e que trabalha desde os 18, diz que só nos últimos quatro anos, a prática da lei virou “moda”. “Hoje, a consciência social é muito maior. Acredito, porém, que a lei ainda acaba sendo mais usada para pessoas com menor qualificação.”

Competência

Invariavelmente, qualificação mais determinação rendem bons resultados. O contador graduado pela PUC-SP Ramonsile Ielpo da Silva, de 37 anos, formou-se aos 28. “Paguei a faculdade com meu trabalho e fazia os créditos à medida em que podia bancá-los. Por isso demorei mais para me formar”, lembra. “Costumo dizer que não se deve confundir deficiência com incompetência”, brinca ele, que tem uma perna um pouco mais curta que a outra e sofre de artrite no quadril. “Meu maior problema é andar um pouco mais devagar que os outros. Fora isso, consigo driblar os obstáculos.”

O paulistano diz que, nos sete anos em que está formado, passou por três empresas, sempre na área financeira, e hoje tem participação minoritária em um escritório de contabilidade. “Juntei dinheiro e comprei um pedaço da sociedade.” Silva diz que o fato de ser sócio ainda não trouxe o mesmo retorno financeiro da época em que era gerente financeiro. “Trabalho dez horas por dia, mas faço as coisas do meu jeito. E a perspectiva de negócios é muito boa no futuro.”

http://economia.estadao.com.br/

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